Um dia do mar, outro do pescador

Hoje é mais um dia que se levanta e eu aqui deitado, estendido nessa cama. Fico pensando, tentando entender o que aconteceu e o que está acontecendo agora… Onde foi que eu errei, meu Deus? Quando foi que eu perdi a hora, o tino, a razão ou o “time”? Quando foi que a paixão transformou o “I hate you” em um “Je t’aime”? Ou quem sabe a demora pra me decidir de vez e te deixar ir…? Não sei! Deixei ir…? Talvez… Difícil dizer porque quem me fazia sorrir, também me fez sofrer… Mas, como se diz, o pior cego é o que não quer… Ver que tava tudo ali, tão claro, escrito com todos os sinais, bem na minha cara… E eu acreditando numa conexão especial e tão rara… É… As coisas não foram bem assim como pensava ou como esperava … andava e andava, mas não sai do lugar… Por que sempre é mais fácil fugir e culpar o destino, do que ficar, enfrentar e lutar, sem desistir até o fim!? Será se o que nos separa é tão difícil de mudar, assim? Não! Você não podia esperar, nem mais um pouco, ter paciência até a poeira abaixar e acabar toda essa confusão? Não! Assim, desse jeito não dava! Não existia mais o “nosso jeito” porque no fundo você sempre escolheu fazer do seu…

Tempestade ou calmaria… tudo passa, cedo ou tarde, a tristeza vira alegria…

De tantos sonhos, tantos planos… O que restou agora? Referências internas de momentos insanos de outrora…  tantos riscos corridos, tantos danos sofridos; Falsas esperanças… Lembranças de apenas mais uma, entre outras tantas histórias narradas só no silêncio da minha interlocutória memória, com as cores de cada estação: Da primavera, as flores! Do verão, o calor do beijo quente contra a parede e rente ao chão! Do outono, a distância… E do inverno, o frio (silêncio) e depois a solidão; Como papel colado que rasga quando descola, o coração despedaçado e seus pedaços batendo fora… espalhado por todo lado; Peito aberto, escancarado, dentro um enorme vazio.  Como o navio no oceano, em meio o caos, tão longe do cais… Não quero mais isso pra mim… Não quero mais me sentir assim… Não mais como um mendigo implorando por esmola, suplicando por uma migalha de atenção: “Fica mais um pouco! Por favor, não vá embora!”. Chega! Quer ir? Tudo bem, então! Vai e vê se dessa vez vai mesmo e não volta! E não demora, viu?  Para de ficar enrolando, isso não funciona mais… Sinceramente agora, tanto faz… Com tua indecisão não perco mais o meu tempo, só quero ficar longe disso tudo e viver a minha vida em paz! Aliás, desistir pra mim nunca foi opção, mas ja que o “destino” escolheu… Então, segue teu caminho sozinha, que daqui pra frente eu também vou seguir o meu…

Tempestade ou calmaria… tudo passa, cedo ou tarde, a tristeza vira alegria…

Porque quem não quer arruma uma desculpa e quem quer sempre dá um jeito. E eu vi você querer… Mas, o que está feito, está feito! E o que passou, passou! Não dá mais pra mudar… Então, é isso mesmo! Foi você quem deixou a felicidade escapar! A oportunidade única que se esvaiu pelo chão… Agora, não adianta mais chorar… Nem lamentar o desperdício… Serei eu a abstinência pro teu vício… O grão único que se mistura entre os tantos da areia… Virou pó, soprei… voou, virou poeira… A agulha que se perdeu no palheiro… A última fagulha de chama que se apagou no candeeiro… É, meu guerreiro! Agora, levanta!!! Foco, força e fé. Permaneça de pé e nunca perca a esperança. É assim mesmo! Um dia da caça, outro do caçador… Um dia do mar, outro do pescador… Depois que a chuva passa, o sol volta a brilhar e aquecer a terra… Perder uma batalha hoje, não quer dizer que amanhã não possa vencer a guerra!  O futuro estará sempre aberto pra gente reescrever nossas “linhas tortas” do jeito certo. Persista, insista, nunca desista, siga em frente porque a vida é pra ser vivida… É sofrida, mas, também é bela… “Nem sempre é o mais rápido quem ganha a corrida, mas as vezes quem simplesmente insiste em permanecer nela.”

Tempestade ou calmaria… tudo passa, cedo ou tarde, a tristeza vira alegria…

Como se fosse a última vez

És a alegria que me faz sorrir parado pensando e lembrando sozinho. Me pergunto, por que esse sorriso “é tão feliz contigo”? Por que não consigo parar de lembrar? De pensar? De me achar em ti…? Mas, logo caio em si e vejo que tudo não passou de um sonho… Um sonho bom! Como uma despedida de um vinte e sete de fevereiro… Mas, lógico que também foi bem real e verdadeiro… desde o primeiro ao derradeiro beijo… toque… olhar… respiração… abraço e cheiro…

Eu fecho meus olhos e te vejo sorrindo. Ah! E que sorriso mais lindo! Teu cabelo de lado, caindo sobre os ombros… A luz fraca à tua direita iluminando teu rosto, teus traços delicados, teus sinais… Projetando sombra sobre o outro lado. Como uma obra prima de um artista renomado. Como um desenho. Como uma tela. Como fotografia. Como arte. Porque és, e como és, bela! E a beleza em ti é um todo, não uma parte. Nem a mais e nem a menos. É beleza ao ponto certo. Decerto, ter em ti equilíbrio e proporção… sinergia, sinestesia… A energia que move meu desejo! Com leveza e intensidade ao mesmo tempo e do nosso jeito… Nosso jeito… Nosso beijo…

Fecho meus olhos de novo e sinto teus lábios nos meus. Teu gosto ainda está na minha boca, teu cheiro ainda está em mim… Tua textura, tessitura, microrranhuras. Te esquadrinho estudando tua engenharia e tua arquitetura… profundidade, cumprimento e altura… Te levantando pela parede, deitados no chão ou sobre uma rede… Transpomos nossas dimensões… Transcendemos todas as dimensões… Porque nossa conexão não tem fim.

Fecho os olhos mais uma vez e vejo o lugar onde só havia você, eu e ninguém mais… O navio ancorado ali naquele cais… Onde não havia tempo ou alguém pra dizer “tá na hora de partir!”… Porque nosso tempo é agora e não precisamos ir… Só ficar! Então, fica comigo e vem cá. Deita no meu peito e me abraça forte até que não haja mais fronteira entre teu corpo e o meu. Tão forte que tua pele fique tatuada sobre a minha. Tão forte que eu fique impregnado com o teu cheiro. Tão forte que nossos corações acelerem batendo ligeiro… Tão forte que faça de ti, pra sempre, parte de mim. Tão forte como você nunca antes fez. E tão forte que seja mesmo como se fosse a última vez… Lysm.

A Vida, o Tempo e o Amor

O Tempo parou naquele instante. Eu soube naquele momento que algo aconteceu. Teu olhar distante em outra direção. Você toda de preto contrastando com tua pele clara. Ali na minha frente a poucos passos de distância. Achei que era Novembro, mas não. Não era. Era Outubro. E era outra estação. Meus olhos vidraram em você. Instantes depois ao meu lado, segurei tua mão. Pequena, macia, quente e suada. Senti você. Ela cabia completamente dentro da minha, sob medida, encomendada. Senti você. A Vida sorriu e olhou pro Tempo como quem havia acabado de ter uma ideia.

O Tempo passou naqueles dias. A Vida sabia o que aconteceria. Ela planejou. Pensou que poderia fazer o que bem entenderia. E fez. Juntou dois corações de uma só vez que se encaixavam perfeitamente como se fossem um só e que nunca se encaixariam em mais ninguém porque nunca antes assim se encaixara. Formas raras, perfeitas e imperfeitas, do mesmo pretérito. Mérito da Vida que assim o fez porque sabia que o Tempo se distraia, exatamente como eu me distraio ao te ver… Ah! E sempre que te vejo, tudo ao redor some pela tal distração. Só que a Vida transformou distração em distopia. Total privação de alegria. Oitenta mil versões de um final infeliz para o dia 8 daquele mês chamado agonia.

O Tempo hesitou naquele momento porque era o primeiro dia do último mês. Um paradoxo como as ironias que a Vida fazia. E eu só sabia que te precisava e te queria. E você estava… bem ali… na minha frente… sorrindo… me olhando e pensando: o que tu vai fazer? E na velocidade do pensamento movido pelo querer: Fiz! Como quem faz e não fala nada. Como quem cala, silenciando as palavras. Como quem de repente se aproxima devagar, mas com um pouco pressa… Pressa de não poder esperar nem mais um segundo sequer porque “A vida é muito curta pra se perder um segundo”. Olho no olho: bem la no fundo. Conexão que diz sem precisar falar porque sente e entende. Boca na boca: sentimentos profundos. Conexão que se sente sem precisar entender porque não é mesmo pra se entender. É pra experimentar. Viver. Sentir. Nas três conjugações e nas quatro estações. Fazer memórias, lembranças… Momentos que o tempo e a vida não te deixam esquecer.

A Vida colocou um pouco do seu gosto em teus lábios delicados, vermelhos e cheios de micro-ranhuras que fazem da tua boca a textura para minha tessitura, os caminhos para sanidade virar loucura, sem perder a razão, mas também sem controlar a emoção. Meus lábios encontram os teus… Um toque suave intercalados de respiração, sorrisos e intensidade. As luzes da cidade se apagam para as estrelas te iluminarem, pela janela de vidro, o suficiente para ver brilhar tua pele clara cheia de sinais. Ondas neóns… Eu corro o risco de navegar, sem rumo e sem direção, perdido e sem noção, pelo teu corpo procurando apenas me achar em ti.

A Vida me fez te ver e te achar, te querer e te sentir, te ter pra depois te perder. Ela te fez desistir e fugir. A correr com medo de fazer e ser feliz. Medo de amar, viver e sentir… nas três conjugações e nas quatro estações. Medo de querer mais do que poder. Enquanto o tempo só dizia pra esperar, pra ter “um pouco mais de paciência”. Pra não apressar, se recusar e fazer hora, ir na valsa, conforme aquela música que tocava… Lenta e pulsante… No “tum… tum…” e não no “tic-tac, tic-tac, tic-tac”. Ele só queria consertar aquela pequena distração que nos colocou em momentos diferentes. Em vidas diferentes. Porque no fundo, sabemos que nossas almas estarão pra sempre ligadas por uma força bem maior que a Vida e que o Tempo juntos nunca poderão superar: a força do Amor. O Verbo-Substantivo que agora me faz apenas teu particípio “amado”, de um infinito infinitivo “amar”, seguindo em frente gerundiando porque a vida e o tempo só podem seguir juntos se for “amando”.

Por Heber Queiros

Da liberdade de expressão à ditadura da opinião

Qualquer um que esteja de alguma maneira “conectado” a rede mundial de computadores tem vez e voz para dizer o pensa e o que quer, mas o que ocorre na maioria das vezes é dizer o que quer sem pensar. As redes sociais, mídias eletrônicas e até mesmo as salas das universidades brasileiras (públicas e privadas) tem sido palcos excelentes para o império da “doxa”, onde somos frequentemente forçados a nos submeter à essa “ditadura da opinião”.

A liberdade pode ser considerada um direito fundamental. Expressar-se, talvez uma necessidade humana. Mas, existe uma diferença fulcral entre ter o direito e ter o dever de se expressar. A liberdade de expressão é uma garantia, um direito subjetivo, um ato discricionário e não uma imposição, obrigação ou uma exigência legal. Ou seja, você pode dizer o que  quiser, mas não é obrigado a fazê-lo.

Há indícios de que para os gregos antigos havia uma distinção entre o significado, em latu sensu, de opinião (dóxa), conhecimento (epistéme) e verdade (alétheia). Tal distinção nos sugere que opinião é diferente de verdade, caso contrário,  provavelmente haveria uma só palavra para dizer as duas coisas. Mas, a questão é mais profunda e, inevitavelmente, perpassa a própria ideia de verdade contida na expressão alétheia (“a”, negação e “lethe”, esquecimento), a priori, aquilo que não se esquece ou não se deve esquecer.

Não obstante, Carlos Nogué chamava atenção para o fato de que estes são tempos em que a “opinião se pretende enquanto verdade”: você tem a sua opinião e eu a minha, e pronto! (provavelmente você já deve ter ouvido ou dito isto). Entretanto, não é porque eu acho que as nuvens são feitas de algodão que isto se torna (uma) verdade (alguns sabem que elas não são de algodão)¹.

Indiscutivelmente, o acesso ao ensino superior se tornou consideravelmente expressivo, nos últimos 10 (dez) anos. Foram criados novos cursos e vagas nas universidades públicas, houve diversificação das modalidades de ensino (como o ensino à distância, por exemplo), e até mesmo a abertura de pólos regionais. Acrescente-se a tudo isso, o fato do surgimento de várias instituições de ensino superior na rede privada.

Por um lado, temos a impressão que numericamente é um dado positivo. Mas, por outro, pelo aspecto qualitativo, um grande retrocesso. Quando se tem uma rede básica de ensino pública “precária” (sim, isso é um eufemismo), criar “vagas” em faculdade não é solução. Se existe mesmo um projeto governamental sério de investimento em educação, então deveria-se começar pela base: afinal, não se começa a construção de um edifício pelo teto, não é mesmo?

Polêmicas à parte, outra questão que não podemos nos furtar é que as políticas públicas de ações afirmativas, no anseio de alcançar um ideal de justiça social a qualquer custo, incluiu os cotistas nas universidades sem que antes lhes oportunizassem um mínimo possível de instrução básica escolar para o nível mais elementar de abstração necessária aos estudos “superiores” nas universidades (consideradas as devidas exceções, obviamente).

Decorre daí que a experiência incipiente destes novos universitários não é suficiente para dar-lhes independência para conduzir seus estudos de forma autônoma, em vez disso, transformam-se em autômatos passivos de toda espécie de doutrinação ideológica que domina as cadeiras e as cátedras das universidades públicas. Não há mais a fomentação do debate nesses espaços, em vez disso, há uma uniformização do pensamento. Coincidência ou conveniência?

Atrelado a isso ainda, temos o problema do “analfabetismo funcional” nestes círculos universitários (ingressos e egressos). Pessoas com dificuldade extrema para compreensão textual em nível mais elementar possível. Acreditam elas, que as leituras e “conhecimentos” a que tiveram acesso durante os anos acadêmicos foram mais que suficientes para se tornar um “doutor diplomado”: É impressionante a quantidade de pessoas que acham que por possuírem um diploma universitário isso lhes dá o direito de falar sobre tudo com a mais absoluta propriedade.

Junta-se a fome com a vontade de comer: a liberdade e facilidade de expressão com sensação de possuir o saber necessário para falar sobre tudo – política, religião, ideologia, moral, etc. Chega a ser engraçado ver tanto “papagaio” repetindo o mesmo discurso estereotipado, carregado de jargões e clichês… Quer dizer, a pessoa não tem sequer o trabalho de filtrar o que pensa para ver se acredita mesmo no que anda dizendo ou se defende tais ideias porque quer parecer “legalzinho”, “esclarecido” e “inteligentinho”  para aqueles ainda menos informados.

O resultado disso é que os espaços tradicionais (e até mesmo os potenciais) de debates estão tomados por meros opinadores e/ou reprodutores de opinião. Onde cada um tem a “sua” verdade que muito provavelmente sequer passou por um crivo da crítica-reflexiva para atestar a validade ou não de suas premissas. No fim, tais lugares não passam mais do que espaços tomados por indivíduos que, como diria o eterno poeta do rock nacional, “falam demais por não ter nada a dizer”.


1- Na “alegoria da caverna”, a dicotomia platônica entre “mundo sensível” e “mundo inteligível” é um bom começo para essa discussão. Mas, pretendo seguir por outro caminho.

Chuva no sertão

Chuva que cai com ventania
Trazendo uma lembrança bem distante
E que faz esquecer por um instante
A preocupação e a dor que me afligia

Chuva que cai e molha o chão
Descendo a rua da melancolia
De um tempo vivido com tanta alegria
Águas passadas de um outro verão…

Chuva com cheiro de terra molhada
Pingos que caem na mesma direção
Poças de lama no meio da estrada
Que me levam de volta para o sertão

Chuva serôdia que vem e que logo passa
Mas traz esperança para o sertanejo
Que a seca fez de sua mesa tão escassa
O faz olhar para estas águas com tanto desejo…

Sobre um olhar profundo…

Morri mil vezes em teu olhar
Em cada morte renascia a esperança
De ter sempre teu rosto como a última lembrança
Que em mil vidas vivi a procurar

Entre o último suspiro e o fôlego a expirar
Permanecia insistentemente no limbo
Mesmo sentindo a dor da morte
Esperando teu amor me libertar

Mergulhado em teus olhos profundos
Afogo-me imerso em tua beleza
No desejo entre a morte e a vida, uma certeza
Ficar eternamente preso entre os dois mundos…

Estudos sobre Nietzsche e a História – Parte 1

Algumas impressões sobre a Apresentação e comentário do tradutor¹

A primeira impressão que se tem no texto é a ideia de que Nietzsche se ocupa das questões sobre a história ainda bem jovem. Além disso, a informação de seu interesse pelo teatro grego (tragédia), romantismo moderno e estudos sobre história e o cristianismo talvez nos sugestione a delinear algumas matizes que contribuíram para a formação de seu pensamento.

Ao que tudo indica, é na obra Fatum e História de 1862 que Nietzsche esboça suas primeiras críticas sobre a história e mais especificamente de sua relação intrínseca com o cristianismo. Por haver percebido que este era o alicerce sobre o qual se erigiu o edifício da “história cultural do Ocidente” entendia ser necessário então “uma nova interpretação histórico-filosófica desta religião”.

A ideia de “eterno retorno” começa a ganhar forma. Muito embora, inicialmente esteja associada à “tempo circular”, a percepção da história como “grande relógio”, no entanto: “(…) o eterno retorno é mais do que a repetição paradigmática que liquida o tempo histórico; ele aponta para a reconciliação com a natureza, para a renovação contínua do mundo, para o ordenamento do caos, para a eliminação do acaso e do risco. Em suma: o mito do eterno retorno apascenta e corresponde à visão daquele que quer transpor a história e o seu terror.” (p.12).

Outro aspecto importante a ser destacado é o que o tradutor chama de “falsa antinomia” entre vontade livre e fatum. A ideia de fatum está associada a destino/fatalidade ou aquilo que se opõe aparentemente à vontade livre do indivíduo. Entretanto, parece que Nietzsche vislumbra a possibilidade da vontade livre se contrapor ao fatum na medida em que “o homem que cria seus próprios acontecimentos determina também o seu destino”.

Os escritos conhecidos como Considerações Intempestivas (Unzeitgemässe Betrachungen) são resultados de seu embate  acadêmico travado com seus contemporâneos. A expressão  “A Doença Histórica” (Die historiche Krankheit) é bastante significativa nesse contexto e já indica os contornos da discussão que faria em “Sobre a utilidade e os inconvenientes da historia para a vida” (Vom Nutzen und Nachteil der Historie für das Leben).

O tradutor afirma ainda que a recepção desse último texto na Universidade da Basiléia, onde Nietzsche era professor, foi bem aceito muito embora seu amigo e historiador Jacob Burckhardt² o tenha visto com reservas. Já em outros círculos acadêmicos, como a escola histórica de Berlim, a reação foi adversa, como era de se esperar, visto que predominavam nestes meios os filósofos hegelianos da história.

Fica patente a ideia de que a II Intempestiva trata-se de uma crítica ao historicismo alemão, em todas as suas vertentes, porém mais particularmente contra a filosofia da história de Hegel (teleologia idealista) e das visões cientificistas da história, bem como a filosofia do inconsciente de Eduard von Hartmann³.

A vida (das Leben) é o critério nietzschiano para analisar o sentido histórico. É a peça fundamental para se compreender com melhor precisão o seu pensamento. Nesse sentido, assim nos fala o autor da tradução: “(…). Em outras palavras, a questão que está em jogo neste escrito é o valor ou não-valor da história para a vida, ou seja, trata-se de uma investigação sobre se o sentido histórico pode significar uma positividade para a vida ou se ele é carente de valor para a vida, sem fundamento e apenas um discurso vazio. (…)”. (p.16).

Não obstante, a ação que busca algo no passado para construir um futuro seria a função primordial dos estudos históricos. Porém, torna-se nociva e prejudicial à saúde e à vida a partir do momento em que se concentra o olhar exclusivamente para o passado esquecendo-se do presente e assim perdendo a perspectiva de futuro. Por outro lado, quando o passado é entendido como fonte de inspiração e exemplaridade daquilo que é grandioso, sem que se perca o olhar posicionado no presente e que de alguma forma se lança para o futuro, então o sentido histórico é útil a vida.

Esse sentido histórico que moldava a cosmovisão do homem tardo-moderno e o levava a pensar seu tempo como a conclusão de um processo é também a plataforma que sustentou a (nossa) cultura Ocidental. Neste esteio, o historicismo alemão (metafísico ou cientificista, romântico ou realista) representou o ápice dessa perspectiva e foi especialmente o principal alvo da crítica de Nietzsche.

Essa parte traz um caráter sintético dos principais tópicos abordados nos escritos sobre a história de Nietzsche. Em suma: “Ele condenou as várias formulações do historicismo e pôs em questão a validade do emprego do método histórico; desmontou as categorias analíticas deste ramo de conhecimento e lamentou sobretudo que o sentido histórico tivesse impregnado e feito adoecer a cultura, levando-a finalmente ao mais extremo niilismo. Substituiu a noção de casualidade pela ideia de genealogia, desqualificou a concepção do tempo linear, sucessivo e encadeado e colocou no seu lugar a temporalidade como eternidade, circularidade, instantaneidade e abertura, eliminou os suportes teóricos da crença na finalidade e argumentou com a noção de devir múltiplo do mundo, levantou a grave suspeita contra a fé no progresso defendida pela Aufklärung e mostrou a decadência a que havia chegado a cultura tardo-moderna no Ocidente.” (p.18)

O sentido histórico é esse olhar para o passado que apresenta à consciência aquilo que era e que se perdeu no fluxo temporal, mas que de alguma forma seja o caminho para a explicação do presente e o “vetor indicador do futuro”. Nesta mesma perspectiva, porém com recursos diferentes, tal formulação se repete ao logo do texto chegando a ser quase exaustivamente tautológico.

Passemos a analisar este fragmento: “(…). Segundo Nietzsche, o valor do passado depende de como uma época avalia o seu presente: se o presente é avaliado positivamente, o passado também o será, embora ele possa até ser abandonado; se o presente é visto negativamente, o passado também o será, e neste caso, ele terá uma relevância maior. Nietzsche descobre uma contradição no fato de a era moderna ter um sentido histórico extremamente aguçado e se considerar, ao mesmo tempo, uma época feliz; para ele, isto se deve sobretudo à incapacidade do homem moderno perceber a miséria do seu presente”. (p.19). (Grifo meu).

A ideia de valor de passado nos chama atenção para um aspecto no sentido histórico em que esse valor está intimamente ligado ao modo como os homens avaliam seu presente, seja positiva ou negativamente. Assim, segundo o autor, Nietzsche acreditava haver uma contradição no fato da modernidade ter esse sentido histórico apurado e ser considerada uma “época feliz” – para ele isto era decorrente da “incapacidade do homem moderno de perceber a miséria do seu presente”. Porém, se o homem moderno enxerga seu presente como ápice do progresso e o valor de passado depende de como se percebe o presente – no caso positivamente -, então como posso concluir que o passado teria uma relevância maior exatamente na situação contrária?

Se há alguma contradição, talvez ela não esteja “no fato de a era moderna ter um sentido histórico extremamente aguçado e se considerar, ao mesmo tempo, uma época feliz”. Pelo contrário, ela é a conclusão lógica do pensamento de valor do passado no sentido histórico, pois “se o presente é avaliado positivamente, o passado também o será, embora ele possa até ser abandonado; se o presente é visto negativamente, o passado também o será“. Assim, o que aparentemente não faz sentido é por que o passado visto negativamente teria uma relevância maior?

Por outro lado, a suposta incapacidade do homem moderno em perceber a miséria de seu tempo seja o exemplo mesmo da possibilidade de não haver esse tipo de valor do passado no sentido histórico como propugnava Nietzsche – segundo o autor. Ora, se há uma contradição no fato de haver “um sentido histórico extremamente aguçado” e “uma época feliz” seja talvez que apenas o exemplo de que a primeira tese não se confirma na realidade. E se não, então de onde Nietzsche tiraria essa ideia?

(continua)


  1. Já havia apresentado o professor Dr. Noéli Correia de Melo Sobrinho em ocasião anterior
  2. Burckhardt era admirador das ideias sobre a “grandeza histórica” e da “filosofia da história de Hegel”, e talvez por isso tenha se mostrado reservado às críticas que Nietzsche estava apresentando.
  3. Tentativa de conciliar a vontade shopenhaueriana como agente inconsciente e o processo universal hegeliano.

Estudos sobre Nietzsche e a História – Prolegômenos

O título é autoexplicativo. Contudo, preciso dizer que este será um projeto no qual tentarei organizar “minhas ideias” acerca do estudo sobre a História. E começar com Nietzsche é de fato um grande desafio, principalmente e sobretudo, para quem nunca foi iniciado à sua filosofia. Mas, também é um esforço válido considerando a envergadura de seu pensamento e contribuição.

Livro 1

Em 2005, as editoras Loyola e PUC-Rio lançaram uma tradução do professor doutor da Universidade Federal Fluminense Noéli Correia de Melo Sobrinho intitulada “Escritos sobre História – Friedrich Nietzsche”. Trata-se basicamente de uma coletânea de textos e fragmentos do filósofo que foram reunidos nesta publicação.

O livro está organizado em três partes, além da apresentação e comentário do tradutor. A primeira, destina-se ao opúsculo de 1862 “Fatum e História”; a segunda, ao clássico “II Consideração Intempestiva sobre a utilidade e os inconvenientes da História para a vida” e a última, fragmentos póstumos e aforismos.

Nesta primeira fase me debruçarei no introito “Apresentação e comentário” do tradutor. Há informações importantes para os não iniciados em Nietzsche ou para aqueles que ainda não tenham tanta familiaridade com o pensador – meu caso em particular.

Tentarei sintetizar ou destacar as ideias que me parecerem mais centrais. Algumas vezes, farei recortes com a citação de fragmentos indicando a página como se fosse mesmo um fichamento. A ideia básica é tentar construir uma espécie de mapa referencial que possibilite a compreensão mais precisa possível e que facilite a pesquisa eventual em caso de necessidade.

Espero que seja de bom proveito.

Uma breve consideração sobre a ideia de Ofensa – Parte 1

Todo mundo, pelo menos uma vez na vida, já deve ter dito algo que ofendesse a alguém, ainda que com ou sem intenção. Ou talvez, quem sabe, tenha se ofendido com algo que alguém disse. Mas, independentemente disso, você já parou para pensar se a ofensa é resultado da intenção de ofender ou da interpretação do ofendido?

Sabe-se que a ofensa pode ser decorrente de uma palavra ou ação. Por exemplo, “eu disse algo que ofendeu Fulano” ou “fiz algo que ofendeu a Sicrano”. Em ambos casos, supomos haver dois elementos fundamentais para nossa investigação: intenção e interpretação.

Por intenção entendemos que seja a plena consciência do resultado em que se espera de um ato, seja ele discursivo ou prático, por parte do agente (quem pratica a ação). E interpretação como significado atribuído a um ato discursivo ou prático, pelo paciente (quem sofre a ação).

Optaremos pela “ofensa” na modalidade discursiva em vez da prática por se tratar de uma escolha necessária. Contudo, nada impediria que fosse trilhado o caminho da ofensa como modalidade prática visto o que de fato nos interessa é o conteúdo (a ofensa em si) não a forma (ofensa manifestada pela palavra ou ação). Dito isso, adentremos na análise.

A princípio, para que haja uma situação ofensiva, devemos considerar que exista uma interlocução entre aquele que fala (suposto ofensor ou ofensor potencial) e a pessoa com quem se fala (o suposto ofendido ou ofendido potencial), além da coisa falada (a suposta ofensa ou ofensa potencial), obviamente.

Se por um lado, temos que em uma determinada situação de raiva ou  em meio a discussão calorosa, podemos intencionalmente falar algo  para ofender e a pessoa se ofende. Por outro, também podemos dizer algo com a intenção de ofender, e, ainda assim por um algum motivo, a pessoa não se ofende.

Temos ainda que em uma conversa normal dizemos algo e mesmo sem intenção, de alguma forma, ofendemos alguém. E, finalmente, dizemos algo sem querer ofender e a pessoa não se ofende.

Sintetizando, temos as seguintes possibilidades: 1) Falar com intenção e ofender; 2) Falar com intenção e não ofender; 3) Falar sem intenção e ofender e 4) Falar sem intenção e não ofender.

Partirmos do pressuposto de que a condição mínima necessária para haja ofensa é o fato de o sujeito com quem se fala (o ofendido potencial) se sinta em tal condição, ou seja, se sinta ofendido, então as proposições que contenham “não ofender” não servirá para o nosso propósito. Assim, ficaremos apenas com as proposições 1 e 3, eliminando as 2 e 4.

Vejamos. Se “falar com intenção” ou “falar sem intenção” haverá o resultado “ofender”. Logo, o resultado “ofender” independe da intenção de quem fala porque seja qual for a possibilidade da intenção (presente ou ausente) sempre incorrerá em “ofender”, evidentemente que excetuando as hipóteses eliminadas anteriormente, óbvio.

De outro modo: Diante de um situação de ofensa é necessário que haja intenção? Não porque é perfeitamente possível que o sujeito com quem se fala se ofenda, mesmo sem intenção do sujeito que fala (possibilidade 3). Havendo intenção sempre haverá ofensa? Não porque ainda que haja intenção do sujeito que fala, o sujeito com quem se fala pode não se ofender (possibilidade 2). Pode-se inferir que com ou sem intenção pode haver ofensa, então a ofensa não depende da intenção.

Continua.

“Sexo é coisa de adolescente, adulto gosta mesmo é de ver os boleto tudo pago no fim do mês” (sic)

Este recorte foi retirado de um post em uma rede social. Para além do debate político maniqueísta, indiscutivelmente instaurado hoje no Brasil, desconfio poder se tratar de uma reflexão, ainda que aparentemente superficial, muito nos tem a dizer. Vejamos uma análise possível.

Dentro deste turbilhão político, resultante dos desdobramentos da disputa de poder, visivelmente entre dois grupos antagônicos (evidentemente que apenas no campo da disputa), e que invade, de uma forma ou de outra, os lares brasileiros, polarizando-os de maneira categórica e estigmatizada, entre os do “bem” e os do “mal”, pergunto: o que levaria uma pessoa, imersa nesse contexto,  a um pensamento tão destoante?

Simples. Lembrar que a realidade não é constituída, apenas, de discussões políticas apaixonadas e acaloradas, quase sempre sem o mínimo de reflexão sobre o que mesmo, de fato, está em disputa. É que a vida é também constituída de “contas a pagar” e isto nos tira do plano das ideias e nos traz novamente para o material. Mas, o que quer dizer o interlocutor do recorte? Para quem ele acredita falar? Há uma intenção em responder algo supostamente direcionado a alguém em particular ou não?

Partindo do pressuposto que uma postagem tem esse caráter opinativo e que não há como medir o alcance da mensagem comunicada, postar poderia significar “falar para o mundo”. Consideremos, então, esta perspectiva possível do interlocutor, portanto, falando para qualquer um.

Imagino que o “sexo”, entre outras conotações, nos remete a ideia de prazer. Um prazer que, na adolescência, não está vinculado necessariamente à responsabilidade. Aliás, não parece ser característico desta fase o interesse por ela. Muito pelo contrário, representa, sobretudo, sua fuga.

Entretanto, poderíamos sugerir que sexo é “coisa de adolescente”, porque “coisa de adulto” é “ver os boleto tudo pago no fim do mês”(sic). Ou, ao enunciar, “adulto gosta mesmo”, estaria admitindo que adulto também gosta de sexo, mas a expressão “mesmo” dá uma conotação de intensidade, onde “gosta mesmo” significa “gostar mais que” ou “mais do que”.

Se por um lado, privilegiarmos a expressão “coisa” como elemento central nesse recorte, então poderíamos afirmar que ele está falando de “coisas de adolescente” em oposição a “coisas de adulto”. Assim, poderíamos inferir que sexo, por ser coisa de adolescente, os adultos não se interessariam, já que “gostam mesmo é ver os boleto pago no fim do mês” (sic), o que sabemos não ser verdade, via de regra pelo menos (risos).

Por outro lado, se considerarmos a expressão “adulto gosta mesmo” como central, então teríamos que admitir que trata-se do que adolescentes e adultos gostam, ou seja, a importância dada as coisas, por um e outro. Então, teríamos que admitir também que não é que adultos não gostem de sexo, é que gostam mais de “ver os boleto pago no fim do mês” (sic). E por ai vai, visto que não se esgotam, nestes exemplos, as possibilidades.

Assim, tenho a ligeira impressão de que o que simboliza a fronteira entre ser adolescente e adulto é a responsabilidade, ou mais precisamente, o grau de responsabilidade. É ela quem delimita um estado e outro. E sua total ausência implica em anomia (não-norma ou ausência de regra), sua onipresença em heteronomia (norma diferente ou norma do outro). Mas onde está o ponto de equilíbrio? Seria talvez a autonomia (regra ou norma própria)?

Remeto novamente ao debate político evocado no início do texto. Vozes e discursos estereotipados, formatados, prontos, acabados e inexoráveis, que reverberam e se reproduzem de forma histérica, descontrolada e irracional. Se isso que é debate, então a forma esvaziou o conteúdo de tal modo que a “palavra” não mais se refere a “coisa”. É uma espécie de tensão do movimento constante entre anomia e heteronomia sem que haja repouso algum na autonomia:é a ação destituída de reflexão e análise.

Se não pararmos para avaliar aquilo que, de fato, nos move, buscando a nossa própria voz em vez de reproduzir indiscriminadamente o que vemos e ouvimos, sem o menor crivo da análise e da reflexão, então não consigo vislumbrar futuro para uma sociedade que, divida pelo ódio e pela intolerância, nos revela dois possíveis caminhos: o do caos (anomia) ou da ditadura (heteronomia). A solução ainda é a busca pelo equilíbrio (autonomia). Viveremos eternamente na “adolescência” ou iremos amadurecer e nos tornar “adultos”? Porque uma coisa eu sei: no final, alguém vai ter que pagar essa conta!