Da liberdade de expressão à ditadura da opinião

Qualquer um que esteja de alguma maneira “conectado” a rede mundial de computadores tem vez e voz para dizer o pensa e o que quer, mas o que ocorre na maioria das vezes é dizer o que quer sem pensar. As redes sociais, mídias eletrônicas e até mesmo as salas das universidades brasileiras (públicas e privadas) tem sido palcos excelentes para o império da “doxa”, onde somos frequentemente forçados a nos submeter à essa “ditadura da opinião”.

A liberdade pode ser considerada um direito fundamental. Expressar-se, talvez uma necessidade humana. Mas, existe uma diferença fulcral entre ter o direito e ter o dever de se expressar. A liberdade de expressão é uma garantia, um direito subjetivo, um ato discricionário e não uma imposição, obrigação ou uma exigência legal. Ou seja, você pode dizer o que  quiser, mas não é obrigado a fazê-lo.

Há indícios de que para os gregos antigos havia uma distinção entre o significado, em latu sensu, de opinião (dóxa), conhecimento (epistéme) e verdade (alétheia). Tal distinção nos sugere que opinião é diferente de verdade, caso contrário,  provavelmente haveria uma só palavra para dizer as duas coisas. Mas, a questão é mais profunda e, inevitavelmente, perpassa a própria ideia de verdade contida na expressão alétheia (“a”, negação e “lethe”, esquecimento), a priori, aquilo que não se esquece ou não se deve esquecer.

Não obstante, Carlos Nogué chamava atenção para o fato de que estes são tempos em que a “opinião se pretende enquanto verdade”: você tem a sua opinião e eu a minha, e pronto! (provavelmente você já deve ter ouvido ou dito isto). Entretanto, não é porque eu acho que as nuvens são feitas de algodão que isto se torna (uma) verdade (alguns sabem que elas não são de algodão)¹.

Indiscutivelmente, o acesso ao ensino superior se tornou consideravelmente expressivo, nos últimos 10 (dez) anos. Foram criados novos cursos e vagas nas universidades públicas, houve diversificação das modalidades de ensino (como o ensino à distância, por exemplo), e até mesmo a abertura de pólos regionais. Acrescente-se a tudo isso, o fato do surgimento de várias instituições de ensino superior na rede privada.

Por um lado, temos a impressão que numericamente é um dado positivo. Mas, por outro, pelo aspecto qualitativo, um grande retrocesso. Quando se tem uma rede básica de ensino pública “precária” (sim, isso é um eufemismo), criar “vagas” em faculdade não é solução. Se existe mesmo um projeto governamental sério de investimento em educação, então deveria-se começar pela base: afinal, não se começa a construção de um edifício pelo teto, não é mesmo?

Polêmicas à parte, outra questão que não podemos nos furtar é que as políticas públicas de ações afirmativas, no anseio de alcançar um ideal de justiça social a qualquer custo, incluiu os cotistas nas universidades sem que antes lhes oportunizassem um mínimo possível de instrução básica escolar para o nível mais elementar de abstração necessária aos estudos “superiores” nas universidades (consideradas as devidas exceções, obviamente).

Decorre daí que a experiência incipiente destes novos universitários não é suficiente para dar-lhes independência para conduzir seus estudos de forma autônoma, em vez disso, transformam-se em autômatos passivos de toda espécie de doutrinação ideológica que domina as cadeiras e as cátedras das universidades públicas. Não há mais a fomentação do debate nesses espaços, em vez disso, há uma uniformização do pensamento. Coincidência ou conveniência?

Atrelado a isso ainda, temos o problema do “analfabetismo funcional” nestes círculos universitários (ingressos e egressos). Pessoas com dificuldade extrema para compreensão textual em nível mais elementar possível. Acreditam elas, que as leituras e “conhecimentos” a que tiveram acesso durante os anos acadêmicos foram mais que suficientes para se tornar um “doutor diplomado”: É impressionante a quantidade de pessoas que acham que por possuírem um diploma universitário isso lhes dá o direito de falar sobre tudo com a mais absoluta propriedade.

Junta-se a fome com a vontade de comer: a liberdade e facilidade de expressão com sensação de possuir o saber necessário para falar sobre tudo – política, religião, ideologia, moral, etc. Chega a ser engraçado ver tanto “papagaio” repetindo o mesmo discurso estereotipado, carregado de jargões e clichês… Quer dizer, a pessoa não tem sequer o trabalho de filtrar o que pensa para ver se acredita mesmo no que anda dizendo ou se defende tais ideias porque quer parecer “legalzinho”, “esclarecido” e “inteligentinho”  para aqueles ainda menos informados.

O resultado disso é que os espaços tradicionais (e até mesmo os potenciais) de debates estão tomados por meros opinadores e/ou reprodutores de opinião. Onde cada um tem a “sua” verdade que muito provavelmente sequer passou por um crivo da crítica-reflexiva para atestar a validade ou não de suas premissas. No fim, tais lugares não passam mais do que espaços tomados por indivíduos que, como diria o eterno poeta do rock nacional, “falam demais por não ter nada a dizer”.


1- Na “alegoria da caverna”, a dicotomia platônica entre “mundo sensível” e “mundo inteligível” é um bom começo para essa discussão. Mas, pretendo seguir por outro caminho.

Chuva no sertão

Chuva que cai com ventania
Trazendo uma lembrança bem distante
E que faz esquecer por um instante
A preocupação e a dor que me afligia

Chuva que cai e molha o chão
Descendo a rua da melancolia
De um tempo vivido com tanta alegria
Águas passadas de um outro verão…

Chuva com cheiro de terra molhada
Pingos que caem na mesma direção
Poças de lama no meio da estrada
Que me levam de volta para o sertão

Chuva serôdia que vem e que logo passa
Mas traz esperança para o sertanejo
Que a seca fez de sua mesa tão escassa
O faz olhar para estas águas com tanto desejo…

A condição humana e os humanos condicionados

Fui impactado com uma imagem de uma criança, supostamente síria, deitada no chão, toda suja, coberta de moscas, diante de uma grande lata que parecia ser depósito de lixo. Estava lá como se fosse coisa e não um ser vivo, como se fosse o lixo que não cabia na lixeira. Digo ser vivo porque se falo “como animal” logo me vem a mente que alguns, geralmente os domésticos (pets), aparentemente possui condições melhores de vida do que muitos seres humanos.

Tal cenário me faz pensar sobre da ideia que faz referência à “condição humana”. Tantos filósofos, pensadores e opinadores disseram algo a respeito e o fizeram, principalmente, a partir de reflexões provocadas pela barbárie ou experiências trágicas na história da Civilização Ocidental. Talvez, não tenha nada a acrescentar sobre o que já foi dito, possivelmente pela incompetência ou inabilidade de instrumentalizá-los aqui. Mas, isso não me impede de evocar o mesmo questionamento outrora suscitado: Qual o valor da vida humana ou quanto vale uma vida humana?

Naturalmente, percebe-se que se trata de uma pergunta retórica, mas que ao mesmo tempo se transforma num tipo de movimento em direção a resposta. Não dá apenas para ficar levantando questionamentos despretensiosos de respostas em nome de uma aversão ao dogmatismo ou uma “dogmatismofobia”. Muito menos se deixar levar por respostas provisórias em meio a fluidez conceitual das coisas da “modernidade líquida”.

A imagética descrita no início me apresenta como resposta do esvaziamento valorativo da vida humana equiparando-se à sua coisificação, onde uma criança aviltada se imiscui à paisagem empoeirada em meio a pedra, a lata e o chão… É só mais uma superfície inanimada onde as moscas e outros insetos podem pousar… A insensibilidade frente a isso pode decorrer de não reconhecer ali uma figura humana, tal estágio de degradação. Mas, parece não se tratar apenas disso e possivelmente a questão é mais profunda do que imaginamos.

A perda dessa referência valorativa tem se tornado pior numa frequência espantosa. Talvez seja, como suspeito, pelo poder condicionante das “ideologias” sobre a conduta dos indivíduos. E quando falo de condutas condicionadas pressuponho que a conduta seja orientada por um sistema valorativo de ideias norteadoras.

São essas ideias (valores e princípios) que condicionam a conduta, acredito. E quando tais são consideradas como “axiomas” sem o filtro da “reflexão crítica” tornam-se condicionantes que em vez de me emancipar para uma “autonomia” gera o efeito em sentido contrário para o automatismo, numa espécie de dicotomia entre “autônomo x autômato”. Quando um sistema de ideias norteiam a conduta de um indivíduo a ponto deste operar a partir deles sem que haja uma consciência deliberativa e autônoma, temos o que eu resolvi chamar provisoriamente de “humanos condicionados”.

Há sempre uma ideologia operando na conduta dos indivíduos em sociedade. Seja o ideal de liberdade no capitalismo liberal, seja no ideal de igualdade do socialismo. Seja consciente ou inconsciente, seja deliberada ou automática. Entretanto, o que se observa é que a ausência da capacidade crítica e reflexiva tem produzido uma geração de autômatos em vários segmentos da sociedade, principalmente dos jovens universitários brasileiros.

O ódio tomou conta dos discursos. A violência tomou conta da ação. A violação à integridade física ou da vida humana por motivo de divergência de opinião, posicionamento político ou religioso é o melhor exemplo da “condição humana dos humanos condicionados”.

É bem verdade que as guerras imperialistas mataram muita gente, mas as revoluções e governos socialistas também. E não fica apenas por ai, ainda tem as Cruzadas religiosas que mataram e matam ainda hoje. Guerras étnicas, facções criminosas disputando territórios para o tráfico… Terrorismos… A vida humana perdeu o valor! A questão é se continuar assim, haverá vida humana até quando?

Precisamos despertar dessa letargia que nos apaga a consciência e que nos adormece a sensibilidade. De olhar para os semelhantes não apenas com respeito e tolerância, mas valorizar as diferenças e divergências. De refletir sempre sobre nossos valores, princípios e condutas no sentido de que eles nos levam em direção da defesa da vida ou para o fim dela.

Mais paz, mais amor…!

Adorações e adoradores (Mateus 2:1-12)

Muito já se falou sobre adoração, verdadeiros adoradores e blá blá blá. Mas, tudo que já ouvi e vi nas igrejas, com o tempo, me pareceram tão “clichês” que algumas expressões terminaram sendo incorporadas no “evangeliquês” (explico isso melhor depois, prometo). E sempre que se fala disso, lá vem de novo “João 4:23-24”!

Percebi que adoração, com o tempo, passou a se confundir com cantar uma música de olhos fechados, mãos levantadas e a pessoa lá na frente sussurrando no microfone: “Oh! Deus está aqui… Posso sentir sua presença neste momento!” – Dava logo aquele arrepio… E começava aquele chororô… No final do culto, os comentários: “A adoração hoje foi uma bênção!” Mas, se perguntasse qual foi o tema da mensagem… viiiiixi!!!

Lendo essa passagem, algumas coisas me chamaram atenção sobre a adoração dos “reis-magos”¹ do Oriente. Eles sabiam algo à respeito do nascimento de Jesus (v.2) e deslocaram-se (possivelmente de longe) para encontrá-lo. Tudo isso me faz pensar que:

  1.  Adoração é movida pela força volitiva do adorador. Um desejo intencional de encontrar, um mover-se consciente em direção ao seu objeto² de adoração. Eles se deslocaram e foram ao encontro do menino Jesus. A distância não os impediu porque a vontade de encontrá-lo era maior, havia algo que os motivava e deveria ser forte o suficiente para que os empecilhos circunstanciais não os detivessem. E esse encontro é marcado com alegria com grande intenso e júbilo (v.10).
  2. Adoração requer submissão do adorador. Eram sábios (estudiosos dos astros), diz a narrativa bíblica. Homens que detinham certo conhecimento. Possivelmente reis, não há como ter certeza. Viajaram e ao encontrá-lo prostraram-se (v11). Isto sugere que adoração é o reconhecimento da inferioridade do adorador e o reconhecimento da importância superior do objeto de adoração. Não é uma submissão provocada pela coisa adorada, mas algo que parte do adorador. Pressupõe um ato deliberativo e intencional da consciência de quem adora.
  3. Adoração é uma oferta valorativa e significativa do adorador. Os sábios do Oriente ofertaram ouro, incenso e mirra (v.11). Há uma relação simbólica³ ai, onde o outro pode representar a divindade de Jesus, o incenso sua pureza e a mirra remete a sua morte, pois é um dos elementos usados no embalsamento. Sob o aspecto valorativo, representava presentes dignos de um rei, o que sugere o preço considerável e que faziam parte de seus tesouros (v.11). A questão é que a oferta consistia em algo que tinha valor para os adoradores, no caso os sábios do Oriente. Oferecer algo que tenha significado e valor para o adorador representa o reconhecimento de que a coisa adorada tem maior importância.

O menino Jesus, o rei dos Judeus, para os sábios do Oriente foi objeto de adoração em um costume que para nós ocidentais hoje causa muito estranhamento, mas ensina-nos uma grande lição em relação à nossa compreensão do que seja adoração. Entretanto, aprendi que a ideia de adoração tem a ver com uma busca movida pelo desejo de adorar, pela submissão do adorador e pela oferta daquilo que tem valor e significado como ato simbólico do reconhecimento da importância do ser adorado.


  1. Sabe-se que eram sábios estudiosos dos astros, entretanto a tradição discute acerca da possibilidade de terem sido reis também.
  2. Objeto no sentido de alvo da adoração, no caso o menino Jesus.
  3. Por não se tratar de um texto acadêmico me abstenho das formalidades exigidas quanto as referências, mas posso indicar vagamente onde encontrei tais informações. Ver comentários de Charles Ryrie, sobre a referida passagem, em sua “A Bíblia Anotada: edição expandida” da Editora Mundo Cristão.