Um dia do mar, outro do pescador

Hoje é mais um dia que se levanta e eu aqui deitado, estendido nessa cama. Fico pensando, tentando entender o que aconteceu e o que está acontecendo agora… Onde foi que eu errei, meu Deus? Quando foi que eu perdi a hora, o tino, a razão ou o “time”? Quando foi que a paixão transformou o “I hate you” em um “Je t’aime”? Ou quem sabe a demora pra me decidir de vez e te deixar ir…? Não sei! Deixei ir…? Talvez… Difícil dizer porque quem me fazia sorrir, também me fez sofrer… Mas, como se diz, o pior cego é o que não quer… Ver que tava tudo ali, tão claro, escrito com todos os sinais, bem na minha cara… E eu acreditando numa conexão especial e tão rara… É… As coisas não foram bem assim como pensava ou como esperava … andava e andava, mas não sai do lugar… Por que sempre é mais fácil fugir e culpar o destino, do que ficar, enfrentar e lutar, sem desistir até o fim!? Será se o que nos separa é tão difícil de mudar, assim? Não! Você não podia esperar, nem mais um pouco, ter paciência até a poeira abaixar e acabar toda essa confusão? Não! Assim, desse jeito não dava! Não existia mais o “nosso jeito” porque no fundo você sempre escolheu fazer do seu…

Tempestade ou calmaria… tudo passa, cedo ou tarde, a tristeza vira alegria…

De tantos sonhos, tantos planos… O que restou agora? Referências internas de momentos insanos de outrora…  tantos riscos corridos, tantos danos sofridos; Falsas esperanças… Lembranças de apenas mais uma, entre outras tantas histórias narradas só no silêncio da minha interlocutória memória, com as cores de cada estação: Da primavera, as flores! Do verão, o calor do beijo quente contra a parede e rente ao chão! Do outono, a distância… E do inverno, o frio (silêncio) e depois a solidão; Como papel colado que rasga quando descola, o coração despedaçado e seus pedaços batendo fora… espalhado por todo lado; Peito aberto, escancarado, dentro um enorme vazio.  Como o navio no oceano, em meio o caos, tão longe do cais… Não quero mais isso pra mim… Não quero mais me sentir assim… Não mais como um mendigo implorando por esmola, suplicando por uma migalha de atenção: “Fica mais um pouco! Por favor, não vá embora!”. Chega! Quer ir? Tudo bem, então! Vai e vê se dessa vez vai mesmo e não volta! E não demora, viu?  Para de ficar enrolando, isso não funciona mais… Sinceramente agora, tanto faz… Com tua indecisão não perco mais o meu tempo, só quero ficar longe disso tudo e viver a minha vida em paz! Aliás, desistir pra mim nunca foi opção, mas ja que o “destino” escolheu… Então, segue teu caminho sozinha, que daqui pra frente eu também vou seguir o meu…

Tempestade ou calmaria… tudo passa, cedo ou tarde, a tristeza vira alegria…

Porque quem não quer arruma uma desculpa e quem quer sempre dá um jeito. E eu vi você querer… Mas, o que está feito, está feito! E o que passou, passou! Não dá mais pra mudar… Então, é isso mesmo! Foi você quem deixou a felicidade escapar! A oportunidade única que se esvaiu pelo chão… Agora, não adianta mais chorar… Nem lamentar o desperdício… Serei eu a abstinência pro teu vício… O grão único que se mistura entre os tantos da areia… Virou pó, soprei… voou, virou poeira… A agulha que se perdeu no palheiro… A última fagulha de chama que se apagou no candeeiro… É, meu guerreiro! Agora, levanta!!! Foco, força e fé. Permaneça de pé e nunca perca a esperança. É assim mesmo! Um dia da caça, outro do caçador… Um dia do mar, outro do pescador… Depois que a chuva passa, o sol volta a brilhar e aquecer a terra… Perder uma batalha hoje, não quer dizer que amanhã não possa vencer a guerra!  O futuro estará sempre aberto pra gente reescrever nossas “linhas tortas” do jeito certo. Persista, insista, nunca desista, siga em frente porque a vida é pra ser vivida… É sofrida, mas, também é bela… “Nem sempre é o mais rápido quem ganha a corrida, mas as vezes quem simplesmente insiste em permanecer nela.”

Tempestade ou calmaria… tudo passa, cedo ou tarde, a tristeza vira alegria…

Como se fosse a última vez

És a alegria que me faz sorrir parado pensando e lembrando sozinho. Me pergunto, por que esse sorriso “é tão feliz contigo”? Por que não consigo parar de lembrar? De pensar? De me achar em ti…? Mas, logo caio em si e vejo que tudo não passou de um sonho… Um sonho bom! Como uma despedida de um vinte e sete de fevereiro… Mas, lógico que também foi bem real e verdadeiro… desde o primeiro ao derradeiro beijo… toque… olhar… respiração… abraço e cheiro…

Eu fecho meus olhos e te vejo sorrindo. Ah! E que sorriso mais lindo! Teu cabelo de lado, caindo sobre os ombros… A luz fraca à tua direita iluminando teu rosto, teus traços delicados, teus sinais… Projetando sombra sobre o outro lado. Como uma obra prima de um artista renomado. Como um desenho. Como uma tela. Como fotografia. Como arte. Porque és, e como és, bela! E a beleza em ti é um todo, não uma parte. Nem a mais e nem a menos. É beleza ao ponto certo. Decerto, ter em ti equilíbrio e proporção… sinergia, sinestesia… A energia que move meu desejo! Com leveza e intensidade ao mesmo tempo e do nosso jeito… Nosso jeito… Nosso beijo…

Fecho meus olhos de novo e sinto teus lábios nos meus. Teu gosto ainda está na minha boca, teu cheiro ainda está em mim… Tua textura, tessitura, microrranhuras. Te esquadrinho estudando tua engenharia e tua arquitetura… profundidade, cumprimento e altura… Te levantando pela parede, deitados no chão ou sobre uma rede… Transpomos nossas dimensões… Transcendemos todas as dimensões… Porque nossa conexão não tem fim.

Fecho os olhos mais uma vez e vejo o lugar onde só havia você, eu e ninguém mais… O navio ancorado ali naquele cais… Onde não havia tempo ou alguém pra dizer “tá na hora de partir!”… Porque nosso tempo é agora e não precisamos ir… Só ficar! Então, fica comigo e vem cá. Deita no meu peito e me abraça forte até que não haja mais fronteira entre teu corpo e o meu. Tão forte que tua pele fique tatuada sobre a minha. Tão forte que eu fique impregnado com o teu cheiro. Tão forte que nossos corações acelerem batendo ligeiro… Tão forte que faça de ti, pra sempre, parte de mim. Tão forte como você nunca antes fez. E tão forte que seja mesmo como se fosse a última vez… Lysm.

A Vida, o Tempo e o Amor

O Tempo parou naquele instante. Eu soube naquele momento que algo aconteceu. Teu olhar distante em outra direção. Você toda de preto contrastando com tua pele clara. Ali na minha frente a poucos passos de distância. Achei que era Novembro, mas não. Não era. Era Outubro. E era outra estação. Meus olhos vidraram em você. Instantes depois ao meu lado, segurei tua mão. Pequena, macia, quente e suada. Senti você. Ela cabia completamente dentro da minha, sob medida, encomendada. Senti você. A Vida sorriu e olhou pro Tempo como quem havia acabado de ter uma ideia.

O Tempo passou naqueles dias. A Vida sabia o que aconteceria. Ela planejou. Pensou que poderia fazer o que bem entenderia. E fez. Juntou dois corações de uma só vez que se encaixavam perfeitamente como se fossem um só e que nunca se encaixariam em mais ninguém porque nunca antes assim se encaixara. Formas raras, perfeitas e imperfeitas, do mesmo pretérito. Mérito da Vida que assim o fez porque sabia que o Tempo se distraia, exatamente como eu me distraio ao te ver… Ah! E sempre que te vejo, tudo ao redor some pela tal distração. Só que a Vida transformou distração em distopia. Total privação de alegria. Oitenta mil versões de um final infeliz para o dia 8 daquele mês chamado agonia.

O Tempo hesitou naquele momento porque era o primeiro dia do último mês. Um paradoxo como as ironias que a Vida fazia. E eu só sabia que te precisava e te queria. E você estava… bem ali… na minha frente… sorrindo… me olhando e pensando: o que tu vai fazer? E na velocidade do pensamento movido pelo querer: Fiz! Como quem faz e não fala nada. Como quem cala, silenciando as palavras. Como quem de repente se aproxima devagar, mas com um pouco pressa… Pressa de não poder esperar nem mais um segundo sequer porque “A vida é muito curta pra se perder um segundo”. Olho no olho: bem la no fundo. Conexão que diz sem precisar falar porque sente e entende. Boca na boca: sentimentos profundos. Conexão que se sente sem precisar entender porque não é mesmo pra se entender. É pra experimentar. Viver. Sentir. Nas três conjugações e nas quatro estações. Fazer memórias, lembranças… Momentos que o tempo e a vida não te deixam esquecer.

A Vida colocou um pouco do seu gosto em teus lábios delicados, vermelhos e cheios de micro-ranhuras que fazem da tua boca a textura para minha tessitura, os caminhos para sanidade virar loucura, sem perder a razão, mas também sem controlar a emoção. Meus lábios encontram os teus… Um toque suave intercalados de respiração, sorrisos e intensidade. As luzes da cidade se apagam para as estrelas te iluminarem, pela janela de vidro, o suficiente para ver brilhar tua pele clara cheia de sinais. Ondas neóns… Eu corro o risco de navegar, sem rumo e sem direção, perdido e sem noção, pelo teu corpo procurando apenas me achar em ti.

A Vida me fez te ver e te achar, te querer e te sentir, te ter pra depois te perder. Ela te fez desistir e fugir. A correr com medo de fazer e ser feliz. Medo de amar, viver e sentir… nas três conjugações e nas quatro estações. Medo de querer mais do que poder. Enquanto o tempo só dizia pra esperar, pra ter “um pouco mais de paciência”. Pra não apressar, se recusar e fazer hora, ir na valsa, conforme aquela música que tocava… Lenta e pulsante… No “tum… tum…” e não no “tic-tac, tic-tac, tic-tac”. Ele só queria consertar aquela pequena distração que nos colocou em momentos diferentes. Em vidas diferentes. Porque no fundo, sabemos que nossas almas estarão pra sempre ligadas por uma força bem maior que a Vida e que o Tempo juntos nunca poderão superar: a força do Amor. O Verbo-Substantivo que agora me faz apenas teu particípio “amado”, de um infinito infinitivo “amar”, seguindo em frente gerundiando porque a vida e o tempo só podem seguir juntos se for “amando”.

Por Heber Queiros

Da liberdade de expressão à ditadura da opinião

Qualquer um que esteja de alguma maneira “conectado” a rede mundial de computadores tem vez e voz para dizer o pensa e o que quer, mas o que ocorre na maioria das vezes é dizer o que quer sem pensar. As redes sociais, mídias eletrônicas e até mesmo as salas das universidades brasileiras (públicas e privadas) tem sido palcos excelentes para o império da “doxa”, onde somos frequentemente forçados a nos submeter à essa “ditadura da opinião”.

A liberdade pode ser considerada um direito fundamental. Expressar-se, talvez uma necessidade humana. Mas, existe uma diferença fulcral entre ter o direito e ter o dever de se expressar. A liberdade de expressão é uma garantia, um direito subjetivo, um ato discricionário e não uma imposição, obrigação ou uma exigência legal. Ou seja, você pode dizer o que  quiser, mas não é obrigado a fazê-lo.

Há indícios de que para os gregos antigos havia uma distinção entre o significado, em latu sensu, de opinião (dóxa), conhecimento (epistéme) e verdade (alétheia). Tal distinção nos sugere que opinião é diferente de verdade, caso contrário,  provavelmente haveria uma só palavra para dizer as duas coisas. Mas, a questão é mais profunda e, inevitavelmente, perpassa a própria ideia de verdade contida na expressão alétheia (“a”, negação e “lethe”, esquecimento), a priori, aquilo que não se esquece ou não se deve esquecer.

Não obstante, Carlos Nogué chamava atenção para o fato de que estes são tempos em que a “opinião se pretende enquanto verdade”: você tem a sua opinião e eu a minha, e pronto! (provavelmente você já deve ter ouvido ou dito isto). Entretanto, não é porque eu acho que as nuvens são feitas de algodão que isto se torna (uma) verdade (alguns sabem que elas não são de algodão)¹.

Indiscutivelmente, o acesso ao ensino superior se tornou consideravelmente expressivo, nos últimos 10 (dez) anos. Foram criados novos cursos e vagas nas universidades públicas, houve diversificação das modalidades de ensino (como o ensino à distância, por exemplo), e até mesmo a abertura de pólos regionais. Acrescente-se a tudo isso, o fato do surgimento de várias instituições de ensino superior na rede privada.

Por um lado, temos a impressão que numericamente é um dado positivo. Mas, por outro, pelo aspecto qualitativo, um grande retrocesso. Quando se tem uma rede básica de ensino pública “precária” (sim, isso é um eufemismo), criar “vagas” em faculdade não é solução. Se existe mesmo um projeto governamental sério de investimento em educação, então deveria-se começar pela base: afinal, não se começa a construção de um edifício pelo teto, não é mesmo?

Polêmicas à parte, outra questão que não podemos nos furtar é que as políticas públicas de ações afirmativas, no anseio de alcançar um ideal de justiça social a qualquer custo, incluiu os cotistas nas universidades sem que antes lhes oportunizassem um mínimo possível de instrução básica escolar para o nível mais elementar de abstração necessária aos estudos “superiores” nas universidades (consideradas as devidas exceções, obviamente).

Decorre daí que a experiência incipiente destes novos universitários não é suficiente para dar-lhes independência para conduzir seus estudos de forma autônoma, em vez disso, transformam-se em autômatos passivos de toda espécie de doutrinação ideológica que domina as cadeiras e as cátedras das universidades públicas. Não há mais a fomentação do debate nesses espaços, em vez disso, há uma uniformização do pensamento. Coincidência ou conveniência?

Atrelado a isso ainda, temos o problema do “analfabetismo funcional” nestes círculos universitários (ingressos e egressos). Pessoas com dificuldade extrema para compreensão textual em nível mais elementar possível. Acreditam elas, que as leituras e “conhecimentos” a que tiveram acesso durante os anos acadêmicos foram mais que suficientes para se tornar um “doutor diplomado”: É impressionante a quantidade de pessoas que acham que por possuírem um diploma universitário isso lhes dá o direito de falar sobre tudo com a mais absoluta propriedade.

Junta-se a fome com a vontade de comer: a liberdade e facilidade de expressão com sensação de possuir o saber necessário para falar sobre tudo – política, religião, ideologia, moral, etc. Chega a ser engraçado ver tanto “papagaio” repetindo o mesmo discurso estereotipado, carregado de jargões e clichês… Quer dizer, a pessoa não tem sequer o trabalho de filtrar o que pensa para ver se acredita mesmo no que anda dizendo ou se defende tais ideias porque quer parecer “legalzinho”, “esclarecido” e “inteligentinho”  para aqueles ainda menos informados.

O resultado disso é que os espaços tradicionais (e até mesmo os potenciais) de debates estão tomados por meros opinadores e/ou reprodutores de opinião. Onde cada um tem a “sua” verdade que muito provavelmente sequer passou por um crivo da crítica-reflexiva para atestar a validade ou não de suas premissas. No fim, tais lugares não passam mais do que espaços tomados por indivíduos que, como diria o eterno poeta do rock nacional, “falam demais por não ter nada a dizer”.


1- Na “alegoria da caverna”, a dicotomia platônica entre “mundo sensível” e “mundo inteligível” é um bom começo para essa discussão. Mas, pretendo seguir por outro caminho.

Chuva no sertão

Chuva que cai com ventania
Trazendo uma lembrança bem distante
E que faz esquecer por um instante
A preocupação e a dor que me afligia

Chuva que cai e molha o chão
Descendo a rua da melancolia
De um tempo vivido com tanta alegria
Águas passadas de um outro verão…

Chuva com cheiro de terra molhada
Pingos que caem na mesma direção
Poças de lama no meio da estrada
Que me levam de volta para o sertão

Chuva serôdia que vem e que logo passa
Mas traz esperança para o sertanejo
Que a seca fez de sua mesa tão escassa
O faz olhar para estas águas com tanto desejo…

A condição humana e os humanos condicionados

Fui impactado com uma imagem de uma criança, supostamente síria, deitada no chão, toda suja, coberta de moscas, diante de uma grande lata que parecia ser depósito de lixo. Estava lá como se fosse coisa e não um ser vivo, como se fosse o lixo que não cabia na lixeira. Digo ser vivo porque se falo “como animal” logo me vem a mente que alguns, geralmente os domésticos (pets), aparentemente possui condições melhores de vida do que muitos seres humanos.

Tal cenário me faz pensar sobre da ideia que faz referência à “condição humana”. Tantos filósofos, pensadores e opinadores disseram algo a respeito e o fizeram, principalmente, a partir de reflexões provocadas pela barbárie ou experiências trágicas na história da Civilização Ocidental. Talvez, não tenha nada a acrescentar sobre o que já foi dito, possivelmente pela incompetência ou inabilidade de instrumentalizá-los aqui. Mas, isso não me impede de evocar o mesmo questionamento outrora suscitado: Qual o valor da vida humana ou quanto vale uma vida humana?

Naturalmente, percebe-se que se trata de uma pergunta retórica, mas que ao mesmo tempo se transforma num tipo de movimento em direção a resposta. Não dá apenas para ficar levantando questionamentos despretensiosos de respostas em nome de uma aversão ao dogmatismo ou uma “dogmatismofobia”. Muito menos se deixar levar por respostas provisórias em meio a fluidez conceitual das coisas da “modernidade líquida”.

A imagética descrita no início me apresenta como resposta do esvaziamento valorativo da vida humana equiparando-se à sua coisificação, onde uma criança aviltada se imiscui à paisagem empoeirada em meio a pedra, a lata e o chão… É só mais uma superfície inanimada onde as moscas e outros insetos podem pousar… A insensibilidade frente a isso pode decorrer de não reconhecer ali uma figura humana, tal estágio de degradação. Mas, parece não se tratar apenas disso e possivelmente a questão é mais profunda do que imaginamos.

A perda dessa referência valorativa tem se tornado pior numa frequência espantosa. Talvez seja, como suspeito, pelo poder condicionante das “ideologias” sobre a conduta dos indivíduos. E quando falo de condutas condicionadas pressuponho que a conduta seja orientada por um sistema valorativo de ideias norteadoras.

São essas ideias (valores e princípios) que condicionam a conduta, acredito. E quando tais são consideradas como “axiomas” sem o filtro da “reflexão crítica” tornam-se condicionantes que em vez de me emancipar para uma “autonomia” gera o efeito em sentido contrário para o automatismo, numa espécie de dicotomia entre “autônomo x autômato”. Quando um sistema de ideias norteiam a conduta de um indivíduo a ponto deste operar a partir deles sem que haja uma consciência deliberativa e autônoma, temos o que eu resolvi chamar provisoriamente de “humanos condicionados”.

Há sempre uma ideologia operando na conduta dos indivíduos em sociedade. Seja o ideal de liberdade no capitalismo liberal, seja no ideal de igualdade do socialismo. Seja consciente ou inconsciente, seja deliberada ou automática. Entretanto, o que se observa é que a ausência da capacidade crítica e reflexiva tem produzido uma geração de autômatos em vários segmentos da sociedade, principalmente dos jovens universitários brasileiros.

O ódio tomou conta dos discursos. A violência tomou conta da ação. A violação à integridade física ou da vida humana por motivo de divergência de opinião, posicionamento político ou religioso é o melhor exemplo da “condição humana dos humanos condicionados”.

É bem verdade que as guerras imperialistas mataram muita gente, mas as revoluções e governos socialistas também. E não fica apenas por ai, ainda tem as Cruzadas religiosas que mataram e matam ainda hoje. Guerras étnicas, facções criminosas disputando territórios para o tráfico… Terrorismos… A vida humana perdeu o valor! A questão é se continuar assim, haverá vida humana até quando?

Precisamos despertar dessa letargia que nos apaga a consciência e que nos adormece a sensibilidade. De olhar para os semelhantes não apenas com respeito e tolerância, mas valorizar as diferenças e divergências. De refletir sempre sobre nossos valores, princípios e condutas no sentido de que eles nos levam em direção da defesa da vida ou para o fim dela.

Mais paz, mais amor…!

Adorações e adoradores (Mateus 2:1-12)

Muito já se falou sobre adoração, verdadeiros adoradores e blá blá blá. Mas, tudo que já ouvi e vi nas igrejas, com o tempo, me pareceram tão “clichês” que algumas expressões terminaram sendo incorporadas no “evangeliquês” (explico isso melhor depois, prometo). E sempre que se fala disso, lá vem de novo “João 4:23-24”!

Percebi que adoração, com o tempo, passou a se confundir com cantar uma música de olhos fechados, mãos levantadas e a pessoa lá na frente sussurrando no microfone: “Oh! Deus está aqui… Posso sentir sua presença neste momento!” – Dava logo aquele arrepio… E começava aquele chororô… No final do culto, os comentários: “A adoração hoje foi uma bênção!” Mas, se perguntasse qual foi o tema da mensagem… viiiiixi!!!

Lendo essa passagem, algumas coisas me chamaram atenção sobre a adoração dos “reis-magos”¹ do Oriente. Eles sabiam algo à respeito do nascimento de Jesus (v.2) e deslocaram-se (possivelmente de longe) para encontrá-lo. Tudo isso me faz pensar que:

  1.  Adoração é movida pela força volitiva do adorador. Um desejo intencional de encontrar, um mover-se consciente em direção ao seu objeto² de adoração. Eles se deslocaram e foram ao encontro do menino Jesus. A distância não os impediu porque a vontade de encontrá-lo era maior, havia algo que os motivava e deveria ser forte o suficiente para que os empecilhos circunstanciais não os detivessem. E esse encontro é marcado com alegria com grande intenso e júbilo (v.10).
  2. Adoração requer submissão do adorador. Eram sábios (estudiosos dos astros), diz a narrativa bíblica. Homens que detinham certo conhecimento. Possivelmente reis, não há como ter certeza. Viajaram e ao encontrá-lo prostraram-se (v11). Isto sugere que adoração é o reconhecimento da inferioridade do adorador e o reconhecimento da importância superior do objeto de adoração. Não é uma submissão provocada pela coisa adorada, mas algo que parte do adorador. Pressupõe um ato deliberativo e intencional da consciência de quem adora.
  3. Adoração é uma oferta valorativa e significativa do adorador. Os sábios do Oriente ofertaram ouro, incenso e mirra (v.11). Há uma relação simbólica³ ai, onde o outro pode representar a divindade de Jesus, o incenso sua pureza e a mirra remete a sua morte, pois é um dos elementos usados no embalsamento. Sob o aspecto valorativo, representava presentes dignos de um rei, o que sugere o preço considerável e que faziam parte de seus tesouros (v.11). A questão é que a oferta consistia em algo que tinha valor para os adoradores, no caso os sábios do Oriente. Oferecer algo que tenha significado e valor para o adorador representa o reconhecimento de que a coisa adorada tem maior importância.

O menino Jesus, o rei dos Judeus, para os sábios do Oriente foi objeto de adoração em um costume que para nós ocidentais hoje causa muito estranhamento, mas ensina-nos uma grande lição em relação à nossa compreensão do que seja adoração. Entretanto, aprendi que a ideia de adoração tem a ver com uma busca movida pelo desejo de adorar, pela submissão do adorador e pela oferta daquilo que tem valor e significado como ato simbólico do reconhecimento da importância do ser adorado.


  1. Sabe-se que eram sábios estudiosos dos astros, entretanto a tradição discute acerca da possibilidade de terem sido reis também.
  2. Objeto no sentido de alvo da adoração, no caso o menino Jesus.
  3. Por não se tratar de um texto acadêmico me abstenho das formalidades exigidas quanto as referências, mas posso indicar vagamente onde encontrei tais informações. Ver comentários de Charles Ryrie, sobre a referida passagem, em sua “A Bíblia Anotada: edição expandida” da Editora Mundo Cristão.

Sobre um olhar profundo…

Morri mil vezes em teu olhar
Em cada morte renascia a esperança
De ter sempre teu rosto como a última lembrança
Que em mil vidas vivi a procurar

Entre o último suspiro e o fôlego a expirar
Permanecia insistentemente no limbo
Mesmo sentindo a dor da morte
Esperando teu amor me libertar

Mergulhado em teus olhos profundos
Afogo-me imerso em tua beleza
No desejo entre a morte e a vida, uma certeza
Ficar eternamente preso entre os dois mundos…

Recordar é viver

Necessário é viver o amor
Seja pra viver mais, seja pra amar melhor
Pra encarar nossas tristezas
E duvidar das incertezas que nos trazem dor

Necessário é perder o chão, flutuar…
E decifrar o olhar de quem carrega o enigma
O estigma da vida de quem fez uma escolha
No passado que dita o que não se pode mudar

Necessário é a poesia na imagem que eterniza o momento
O silêncio da fotografia que até pode falar
Na linguagem que traduz o sentimento
E a que a palavra jamais poderá expressar…

Necessário é que nem sempre o tempo vença
De quem não se lembra por jamais esquecer
Mas que vive sempre os momentos na memória
Onde imagens e sons contam a história

Porque recordar ainda é amar…
E amar ainda é viver…

A vida como uma indefinição entre o querer e o poder

Talvez a vida seja mesmo feita de idas e vindas, partidas e chegadas, recepções e despedidas, caminhos e estradas. Nos portos e mares, respirando novos ares, dividido entre o poder e a vontade, mas no coração bate sempre uma saudade daquilo que vai ficando para trás. 

O ir e vir constante entre o passado e o futuro, entre a luz no fim do túnel e o tiro no escuro. Como árvore que perde sua folha e que na próxima estação lhe nascerá outra. Como esperança e medo de quem é o senhor do destino, mas que também é escravo da escolha. 

A fuga repentina do eterno presente entre a instantânea lembrança e o esquecimento, no espaço da memória que constrói o monumento, e que destrói ao mesmo tempo aquilo que oportunamente se deixou de fora.

A história de quem venceu com glória essa infame escória que a tinta e o papel sua versão escondeu. Na letra que isenta, suprime e aumenta, circunscrita nos limites da conveniência e que se opõe ao som na qual ainda sustenta na oralidade a cultura como um ato de bravura, mas também de resistência.

A representação dos sentidos na total ausência. Signos do vazio preenchido que ressignifica e inventa o símbolo que outrora lhe destituiu o valor, mas que na angústia e dor encontram alguma referência.

A transitividade entre periferia e centro. Na empatia de sentir-se também dentro a experimentar no outro sua agonia. No movimento pendular de noite e de dia, a epifania da assincronia de quem sobrevive nesse mundo entre a constante tristeza e a efêmera alegria.

Essa certeza na dúvida que duvida da certeza no movimento constante desafiando a própria natureza, transcendendo os limites impostos à nossa existência. Na suspeita de que a realidade não possa apenas existir e que haverá sempre algo mais para se descobrir.

Ou talvez apenas uma questão sem resposta, mas que estará sempre posta a possibilidade de se resolver. E no final da jornada será então a morte, a conclusão dessa etapa, a única que poderá nos dizer se fomos mesmo em vida tudo aquilo que podíamos ser.

por Héber Queirós