Razão e fé: a delimitação de um topos

Onde há razão não pode haver fé, muito embora haja fé na razão. O aparente paradoxo, facilmente solúvel, afasta a contradição ao se definir um e outro. Portanto, fé é a convicção de algo como resultado de uma deliberação desnecessariamente fundamentada, ou seja, acreditar em alguma coisa simplesmente por acreditar. A razão (ratio), ao contrário, é uma operação da inteligência (intellectus, intelligere, intus e legere) e, por assim dizer, consiste no pensamento sistêmico, lógico, valorativo, que exige prova e onde a justificativa é imprescindível. Evidentemente, tais definições não se esgotam em si mesmas, mas delimitam a fronteira semântica a ser utilizada aqui.


Para se compreender tal relação, a ideia básica que se sugere é a de território, locus, topos, espaço delimitado por fronteiras, área de domínio exercido por um ente. O lugar ocupado pela razão é preciso, exato, justo. Não comporta outra coisa que não seja a si mesma. Fora desse território deixa de ser ratio para ser qualquer outra coisa. Assim também a que ao encontrar algo que a justifique, explique ou lhe dê sentido necessário, escapa para outro locus que o descaracteriza e o desqualifica de sua condição.


Por outro lado, a assertiva de que existe fé na razão resulta do fato de que se acredita que a ratio possui o estatuto de (e/ou da) veracidade. Assim, só poderia ser verdade e(ou) ter validade aquilo que fosse submetido à prova racional. Mas, qual prova racional demonstrou que isto é verdade ou que a razão é detentora de um discurso válido/verdadeiro? E mais, por que a prova aceitável teria que ser racional? O que é possível intuir é que, por suas próprias regras, não pode se superar sem que isto resulte em um ininterrupto movimento circular.


Assim, aceitar a validade da razão, fora dela mesma, constitui, portanto, um ato de fé. Contudo, compreender o significado disto e constatar sua veracidade, um ato da razão. Neste esteio, são autoexcludente por não ser possível ocupar o mesmo topos, mas coexistem sem que isto implique numa relação direta de interdependência. Portanto, resta inócuo, senão inepto, todo esforço de tentar conciliar ou mesmo fundir tais conceitos em uma espécie de “fé racional” ou “racionalização da fé”.