A condição humana e os humanos condicionados

Fui impactado com uma imagem de uma criança, supostamente síria, deitada no chão, toda suja, coberta de moscas, diante de uma grande lata que parecia ser depósito de lixo. Estava lá como se fosse coisa e não um ser vivo, como se fosse o lixo que não cabia na lixeira. Digo ser vivo porque se falo “como animal” logo me vem a mente que alguns, geralmente os domésticos (pets), aparentemente possui condições melhores de vida do que muitos seres humanos.

Tal cenário me faz pensar sobre da ideia que faz referência à “condição humana”. Tantos filósofos, pensadores e opinadores disseram algo a respeito e o fizeram, principalmente, a partir de reflexões provocadas pela barbárie ou experiências trágicas na história da Civilização Ocidental. Talvez, não tenha nada a acrescentar sobre o que já foi dito, possivelmente pela incompetência ou inabilidade de instrumentalizá-los aqui. Mas, isso não me impede de evocar o mesmo questionamento outrora suscitado: Qual o valor da vida humana ou quanto vale uma vida humana?

Naturalmente, percebe-se que se trata de uma pergunta retórica, mas que ao mesmo tempo se transforma num tipo de movimento em direção a resposta. Não dá apenas para ficar levantando questionamentos despretensiosos de respostas em nome de uma aversão ao dogmatismo ou uma “dogmatismofobia”. Muito menos se deixar levar por respostas provisórias em meio a fluidez conceitual das coisas da “modernidade líquida”.

A imagética descrita no início me apresenta como resposta do esvaziamento valorativo da vida humana equiparando-se à sua coisificação, onde uma criança aviltada se imiscui à paisagem empoeirada em meio a pedra, a lata e o chão… É só mais uma superfície inanimada onde as moscas e outros insetos podem pousar… A insensibilidade frente a isso pode decorrer de não reconhecer ali uma figura humana, tal estágio de degradação. Mas, parece não se tratar apenas disso e possivelmente a questão é mais profunda do que imaginamos.

A perda dessa referência valorativa tem se tornado pior numa frequência espantosa. Talvez seja, como suspeito, pelo poder condicionante das “ideologias” sobre a conduta dos indivíduos. E quando falo de condutas condicionadas pressuponho que a conduta seja orientada por um sistema valorativo de ideias norteadoras.

São essas ideias (valores e princípios) que condicionam a conduta, acredito. E quando tais são consideradas como “axiomas” sem o filtro da “reflexão crítica” tornam-se condicionantes que em vez de me emancipar para uma “autonomia” gera o efeito em sentido contrário para o automatismo, numa espécie de dicotomia entre “autônomo x autômato”. Quando um sistema de ideias norteiam a conduta de um indivíduo a ponto deste operar a partir deles sem que haja uma consciência deliberativa e autônoma, temos o que eu resolvi chamar provisoriamente de “humanos condicionados”.

Há sempre uma ideologia operando na conduta dos indivíduos em sociedade. Seja o ideal de liberdade no capitalismo liberal, seja no ideal de igualdade do socialismo. Seja consciente ou inconsciente, seja deliberada ou automática. Entretanto, o que se observa é que a ausência da capacidade crítica e reflexiva tem produzido uma geração de autômatos em vários segmentos da sociedade, principalmente dos jovens universitários brasileiros.

O ódio tomou conta dos discursos. A violência tomou conta da ação. A violação à integridade física ou da vida humana por motivo de divergência de opinião, posicionamento político ou religioso é o melhor exemplo da “condição humana dos humanos condicionados”.

É bem verdade que as guerras imperialistas mataram muita gente, mas as revoluções e governos socialistas também. E não fica apenas por ai, ainda tem as Cruzadas religiosas que mataram e matam ainda hoje. Guerras étnicas, facções criminosas disputando territórios para o tráfico… Terrorismos… A vida humana perdeu o valor! A questão é se continuar assim, haverá vida humana até quando?

Precisamos despertar dessa letargia que nos apaga a consciência e que nos adormece a sensibilidade. De olhar para os semelhantes não apenas com respeito e tolerância, mas valorizar as diferenças e divergências. De refletir sempre sobre nossos valores, princípios e condutas no sentido de que eles nos levam em direção da defesa da vida ou para o fim dela.

Mais paz, mais amor…!

Adorações e adoradores (Mateus 2:1-12)

Muito já se falou sobre adoração, verdadeiros adoradores e blá blá blá. Mas, tudo que já ouvi e vi nas igrejas, com o tempo, me pareceram tão “clichês” que algumas expressões terminaram sendo incorporadas no “evangeliquês” (explico isso melhor depois, prometo). E sempre que se fala disso, lá vem de novo “João 4:23-24”!

Percebi que adoração, com o tempo, passou a se confundir com cantar uma música de olhos fechados, mãos levantadas e a pessoa lá na frente sussurrando no microfone: “Oh! Deus está aqui… Posso sentir sua presença neste momento!” – Dava logo aquele arrepio… E começava aquele chororô… No final do culto, os comentários: “A adoração hoje foi uma bênção!” Mas, se perguntasse qual foi o tema da mensagem… viiiiixi!!!

Lendo essa passagem, algumas coisas me chamaram atenção sobre a adoração dos “reis-magos”¹ do Oriente. Eles sabiam algo à respeito do nascimento de Jesus (v.2) e deslocaram-se (possivelmente de longe) para encontrá-lo. Tudo isso me faz pensar que:

  1.  Adoração é movida pela força volitiva do adorador. Um desejo intencional de encontrar, um mover-se consciente em direção ao seu objeto² de adoração. Eles se deslocaram e foram ao encontro do menino Jesus. A distância não os impediu porque a vontade de encontrá-lo era maior, havia algo que os motivava e deveria ser forte o suficiente para que os empecilhos circunstanciais não os detivessem. E esse encontro é marcado com alegria com grande intenso e júbilo (v.10).
  2. Adoração requer submissão do adorador. Eram sábios (estudiosos dos astros), diz a narrativa bíblica. Homens que detinham certo conhecimento. Possivelmente reis, não há como ter certeza. Viajaram e ao encontrá-lo prostraram-se (v11). Isto sugere que adoração é o reconhecimento da inferioridade do adorador e o reconhecimento da importância superior do objeto de adoração. Não é uma submissão provocada pela coisa adorada, mas algo que parte do adorador. Pressupõe um ato deliberativo e intencional da consciência de quem adora.
  3. Adoração é uma oferta valorativa e significativa do adorador. Os sábios do Oriente ofertaram ouro, incenso e mirra (v.11). Há uma relação simbólica³ ai, onde o outro pode representar a divindade de Jesus, o incenso sua pureza e a mirra remete a sua morte, pois é um dos elementos usados no embalsamento. Sob o aspecto valorativo, representava presentes dignos de um rei, o que sugere o preço considerável e que faziam parte de seus tesouros (v.11). A questão é que a oferta consistia em algo que tinha valor para os adoradores, no caso os sábios do Oriente. Oferecer algo que tenha significado e valor para o adorador representa o reconhecimento de que a coisa adorada tem maior importância.

O menino Jesus, o rei dos Judeus, para os sábios do Oriente foi objeto de adoração em um costume que para nós ocidentais hoje causa muito estranhamento, mas ensina-nos uma grande lição em relação à nossa compreensão do que seja adoração. Entretanto, aprendi que a ideia de adoração tem a ver com uma busca movida pelo desejo de adorar, pela submissão do adorador e pela oferta daquilo que tem valor e significado como ato simbólico do reconhecimento da importância do ser adorado.


  1. Sabe-se que eram sábios estudiosos dos astros, entretanto a tradição discute acerca da possibilidade de terem sido reis também.
  2. Objeto no sentido de alvo da adoração, no caso o menino Jesus.
  3. Por não se tratar de um texto acadêmico me abstenho das formalidades exigidas quanto as referências, mas posso indicar vagamente onde encontrei tais informações. Ver comentários de Charles Ryrie, sobre a referida passagem, em sua “A Bíblia Anotada: edição expandida” da Editora Mundo Cristão.