Estudos sobre Nietzsche e a História – Parte 1

Algumas impressões sobre a Apresentação e comentário do tradutor¹

A primeira impressão que se tem no texto é a ideia de que Nietzsche se ocupa das questões sobre a história ainda bem jovem. Além disso, a informação de seu interesse pelo teatro grego (tragédia), romantismo moderno e estudos sobre história e o cristianismo talvez nos sugestione a delinear algumas matizes que contribuíram para a formação de seu pensamento.

Ao que tudo indica, é na obra Fatum e História de 1862 que Nietzsche esboça suas primeiras críticas sobre a história e mais especificamente de sua relação intrínseca com o cristianismo. Por haver percebido que este era o alicerce sobre o qual se erigiu o edifício da “história cultural do Ocidente” entendia ser necessário então “uma nova interpretação histórico-filosófica desta religião”.

A ideia de “eterno retorno” começa a ganhar forma. Muito embora, inicialmente esteja associada à “tempo circular”, a percepção da história como “grande relógio”, no entanto: “(…) o eterno retorno é mais do que a repetição paradigmática que liquida o tempo histórico; ele aponta para a reconciliação com a natureza, para a renovação contínua do mundo, para o ordenamento do caos, para a eliminação do acaso e do risco. Em suma: o mito do eterno retorno apascenta e corresponde à visão daquele que quer transpor a história e o seu terror.” (p.12).

Outro aspecto importante a ser destacado é o que o tradutor chama de “falsa antinomia” entre vontade livre e fatum. A ideia de fatum está associada a destino/fatalidade ou aquilo que se opõe aparentemente à vontade livre do indivíduo. Entretanto, parece que Nietzsche vislumbra a possibilidade da vontade livre se contrapor ao fatum na medida em que “o homem que cria seus próprios acontecimentos determina também o seu destino”.

Os escritos conhecidos como Considerações Intempestivas (Unzeitgemässe Betrachungen) são resultados de seu embate  acadêmico travado com seus contemporâneos. A expressão  “A Doença Histórica” (Die historiche Krankheit) é bastante significativa nesse contexto e já indica os contornos da discussão que faria em “Sobre a utilidade e os inconvenientes da historia para a vida” (Vom Nutzen und Nachteil der Historie für das Leben).

O tradutor afirma ainda que a recepção desse último texto na Universidade da Basiléia, onde Nietzsche era professor, foi bem aceito muito embora seu amigo e historiador Jacob Burckhardt² o tenha visto com reservas. Já em outros círculos acadêmicos, como a escola histórica de Berlim, a reação foi adversa, como era de se esperar, visto que predominavam nestes meios os filósofos hegelianos da história.

Fica patente a ideia de que a II Intempestiva trata-se de uma crítica ao historicismo alemão, em todas as suas vertentes, porém mais particularmente contra a filosofia da história de Hegel (teleologia idealista) e das visões cientificistas da história, bem como a filosofia do inconsciente de Eduard von Hartmann³.

A vida (das Leben) é o critério nietzschiano para analisar o sentido histórico. É a peça fundamental para se compreender com melhor precisão o seu pensamento. Nesse sentido, assim nos fala o autor da tradução: “(…). Em outras palavras, a questão que está em jogo neste escrito é o valor ou não-valor da história para a vida, ou seja, trata-se de uma investigação sobre se o sentido histórico pode significar uma positividade para a vida ou se ele é carente de valor para a vida, sem fundamento e apenas um discurso vazio. (…)”. (p.16).

Não obstante, a ação que busca algo no passado para construir um futuro seria a função primordial dos estudos históricos. Porém, torna-se nociva e prejudicial à saúde e à vida a partir do momento em que se concentra o olhar exclusivamente para o passado esquecendo-se do presente e assim perdendo a perspectiva de futuro. Por outro lado, quando o passado é entendido como fonte de inspiração e exemplaridade daquilo que é grandioso, sem que se perca o olhar posicionado no presente e que de alguma forma se lança para o futuro, então o sentido histórico é útil a vida.

Esse sentido histórico que moldava a cosmovisão do homem tardo-moderno e o levava a pensar seu tempo como a conclusão de um processo é também a plataforma que sustentou a (nossa) cultura Ocidental. Neste esteio, o historicismo alemão (metafísico ou cientificista, romântico ou realista) representou o ápice dessa perspectiva e foi especialmente o principal alvo da crítica de Nietzsche.

Essa parte traz um caráter sintético dos principais tópicos abordados nos escritos sobre a história de Nietzsche. Em suma: “Ele condenou as várias formulações do historicismo e pôs em questão a validade do emprego do método histórico; desmontou as categorias analíticas deste ramo de conhecimento e lamentou sobretudo que o sentido histórico tivesse impregnado e feito adoecer a cultura, levando-a finalmente ao mais extremo niilismo. Substituiu a noção de casualidade pela ideia de genealogia, desqualificou a concepção do tempo linear, sucessivo e encadeado e colocou no seu lugar a temporalidade como eternidade, circularidade, instantaneidade e abertura, eliminou os suportes teóricos da crença na finalidade e argumentou com a noção de devir múltiplo do mundo, levantou a grave suspeita contra a fé no progresso defendida pela Aufklärung e mostrou a decadência a que havia chegado a cultura tardo-moderna no Ocidente.” (p.18)

O sentido histórico é esse olhar para o passado que apresenta à consciência aquilo que era e que se perdeu no fluxo temporal, mas que de alguma forma seja o caminho para a explicação do presente e o “vetor indicador do futuro”. Nesta mesma perspectiva, porém com recursos diferentes, tal formulação se repete ao logo do texto chegando a ser quase exaustivamente tautológico.

Passemos a analisar este fragmento: “(…). Segundo Nietzsche, o valor do passado depende de como uma época avalia o seu presente: se o presente é avaliado positivamente, o passado também o será, embora ele possa até ser abandonado; se o presente é visto negativamente, o passado também o será, e neste caso, ele terá uma relevância maior. Nietzsche descobre uma contradição no fato de a era moderna ter um sentido histórico extremamente aguçado e se considerar, ao mesmo tempo, uma época feliz; para ele, isto se deve sobretudo à incapacidade do homem moderno perceber a miséria do seu presente”. (p.19). (Grifo meu).

A ideia de valor de passado nos chama atenção para um aspecto no sentido histórico em que esse valor está intimamente ligado ao modo como os homens avaliam seu presente, seja positiva ou negativamente. Assim, segundo o autor, Nietzsche acreditava haver uma contradição no fato da modernidade ter esse sentido histórico apurado e ser considerada uma “época feliz” – para ele isto era decorrente da “incapacidade do homem moderno de perceber a miséria do seu presente”. Porém, se o homem moderno enxerga seu presente como ápice do progresso e o valor de passado depende de como se percebe o presente – no caso positivamente -, então como posso concluir que o passado teria uma relevância maior exatamente na situação contrária?

Se há alguma contradição, talvez ela não esteja “no fato de a era moderna ter um sentido histórico extremamente aguçado e se considerar, ao mesmo tempo, uma época feliz”. Pelo contrário, ela é a conclusão lógica do pensamento de valor do passado no sentido histórico, pois “se o presente é avaliado positivamente, o passado também o será, embora ele possa até ser abandonado; se o presente é visto negativamente, o passado também o será“. Assim, o que aparentemente não faz sentido é por que o passado visto negativamente teria uma relevância maior?

Por outro lado, a suposta incapacidade do homem moderno em perceber a miséria de seu tempo seja o exemplo mesmo da possibilidade de não haver esse tipo de valor do passado no sentido histórico como propugnava Nietzsche – segundo o autor. Ora, se há uma contradição no fato de haver “um sentido histórico extremamente aguçado” e “uma época feliz” seja talvez que apenas o exemplo de que a primeira tese não se confirma na realidade. E se não, então de onde Nietzsche tiraria essa ideia?

(continua)


  1. Já havia apresentado o professor Dr. Noéli Correia de Melo Sobrinho em ocasião anterior
  2. Burckhardt era admirador das ideias sobre a “grandeza histórica” e da “filosofia da história de Hegel”, e talvez por isso tenha se mostrado reservado às críticas que Nietzsche estava apresentando.
  3. Tentativa de conciliar a vontade shopenhaueriana como agente inconsciente e o processo universal hegeliano.

Estudos sobre Nietzsche e a História – Prolegômenos

O título é autoexplicativo. Contudo, preciso dizer que este será um projeto no qual tentarei organizar “minhas ideias” acerca do estudo sobre a História. E começar com Nietzsche é de fato um grande desafio, principalmente e sobretudo, para quem nunca foi iniciado à sua filosofia. Mas, também é um esforço válido considerando a envergadura de seu pensamento e contribuição.

Livro 1

Em 2005, as editoras Loyola e PUC-Rio lançaram uma tradução do professor doutor da Universidade Federal Fluminense Noéli Correia de Melo Sobrinho intitulada “Escritos sobre História – Friedrich Nietzsche”. Trata-se basicamente de uma coletânea de textos e fragmentos do filósofo que foram reunidos nesta publicação.

O livro está organizado em três partes, além da apresentação e comentário do tradutor. A primeira, destina-se ao opúsculo de 1862 “Fatum e História”; a segunda, ao clássico “II Consideração Intempestiva sobre a utilidade e os inconvenientes da História para a vida” e a última, fragmentos póstumos e aforismos.

Nesta primeira fase me debruçarei no introito “Apresentação e comentário” do tradutor. Há informações importantes para os não iniciados em Nietzsche ou para aqueles que ainda não tenham tanta familiaridade com o pensador – meu caso em particular.

Tentarei sintetizar ou destacar as ideias que me parecerem mais centrais. Algumas vezes, farei recortes com a citação de fragmentos indicando a página como se fosse mesmo um fichamento. A ideia básica é tentar construir uma espécie de mapa referencial que possibilite a compreensão mais precisa possível e que facilite a pesquisa eventual em caso de necessidade.

Espero que seja de bom proveito.

Uma breve consideração sobre a ideia de Ofensa – Parte 1

Todo mundo, pelo menos uma vez na vida, já deve ter dito algo que ofendesse a alguém, ainda que com ou sem intenção. Ou talvez, quem sabe, tenha se ofendido com algo que alguém disse. Mas, independentemente disso, você já parou para pensar se a ofensa é resultado da intenção de ofender ou da interpretação do ofendido?

Sabe-se que a ofensa pode ser decorrente de uma palavra ou ação. Por exemplo, “eu disse algo que ofendeu Fulano” ou “fiz algo que ofendeu a Sicrano”. Em ambos casos, supomos haver dois elementos fundamentais para nossa investigação: intenção e interpretação.

Por intenção entendemos que seja a plena consciência do resultado em que se espera de um ato, seja ele discursivo ou prático, por parte do agente (quem pratica a ação). E interpretação como significado atribuído a um ato discursivo ou prático, pelo paciente (quem sofre a ação).

Optaremos pela “ofensa” na modalidade discursiva em vez da prática por se tratar de uma escolha necessária. Contudo, nada impediria que fosse trilhado o caminho da ofensa como modalidade prática visto o que de fato nos interessa é o conteúdo (a ofensa em si) não a forma (ofensa manifestada pela palavra ou ação). Dito isso, adentremos na análise.

A princípio, para que haja uma situação ofensiva, devemos considerar que exista uma interlocução entre aquele que fala (suposto ofensor ou ofensor potencial) e a pessoa com quem se fala (o suposto ofendido ou ofendido potencial), além da coisa falada (a suposta ofensa ou ofensa potencial), obviamente.

Se por um lado, temos que em uma determinada situação de raiva ou  em meio a discussão calorosa, podemos intencionalmente falar algo  para ofender e a pessoa se ofende. Por outro, também podemos dizer algo com a intenção de ofender, e, ainda assim por um algum motivo, a pessoa não se ofende.

Temos ainda que em uma conversa normal dizemos algo e mesmo sem intenção, de alguma forma, ofendemos alguém. E, finalmente, dizemos algo sem querer ofender e a pessoa não se ofende.

Sintetizando, temos as seguintes possibilidades: 1) Falar com intenção e ofender; 2) Falar com intenção e não ofender; 3) Falar sem intenção e ofender e 4) Falar sem intenção e não ofender.

Partirmos do pressuposto de que a condição mínima necessária para haja ofensa é o fato de o sujeito com quem se fala (o ofendido potencial) se sinta em tal condição, ou seja, se sinta ofendido, então as proposições que contenham “não ofender” não servirá para o nosso propósito. Assim, ficaremos apenas com as proposições 1 e 3, eliminando as 2 e 4.

Vejamos. Se “falar com intenção” ou “falar sem intenção” haverá o resultado “ofender”. Logo, o resultado “ofender” independe da intenção de quem fala porque seja qual for a possibilidade da intenção (presente ou ausente) sempre incorrerá em “ofender”, evidentemente que excetuando as hipóteses eliminadas anteriormente, óbvio.

De outro modo: Diante de um situação de ofensa é necessário que haja intenção? Não porque é perfeitamente possível que o sujeito com quem se fala se ofenda, mesmo sem intenção do sujeito que fala (possibilidade 3). Havendo intenção sempre haverá ofensa? Não porque ainda que haja intenção do sujeito que fala, o sujeito com quem se fala pode não se ofender (possibilidade 2). Pode-se inferir que com ou sem intenção pode haver ofensa, então a ofensa não depende da intenção.

Continua.

“Sexo é coisa de adolescente, adulto gosta mesmo é de ver os boleto tudo pago no fim do mês” (sic)

Este recorte foi retirado de um post em uma rede social. Para além do debate político maniqueísta, indiscutivelmente instaurado hoje no Brasil, desconfio poder se tratar de uma reflexão, ainda que aparentemente superficial, muito nos tem a dizer. Vejamos uma análise possível.

Dentro deste turbilhão político, resultante dos desdobramentos da disputa de poder, visivelmente entre dois grupos antagônicos (evidentemente que apenas no campo da disputa), e que invade, de uma forma ou de outra, os lares brasileiros, polarizando-os de maneira categórica e estigmatizada, entre os do “bem” e os do “mal”, pergunto: o que levaria uma pessoa, imersa nesse contexto,  a um pensamento tão destoante?

Simples. Lembrar que a realidade não é constituída, apenas, de discussões políticas apaixonadas e acaloradas, quase sempre sem o mínimo de reflexão sobre o que mesmo, de fato, está em disputa. É que a vida é também constituída de “contas a pagar” e isto nos tira do plano das ideias e nos traz novamente para o material. Mas, o que quer dizer o interlocutor do recorte? Para quem ele acredita falar? Há uma intenção em responder algo supostamente direcionado a alguém em particular ou não?

Partindo do pressuposto que uma postagem tem esse caráter opinativo e que não há como medir o alcance da mensagem comunicada, postar poderia significar “falar para o mundo”. Consideremos, então, esta perspectiva possível do interlocutor, portanto, falando para qualquer um.

Imagino que o “sexo”, entre outras conotações, nos remete a ideia de prazer. Um prazer que, na adolescência, não está vinculado necessariamente à responsabilidade. Aliás, não parece ser característico desta fase o interesse por ela. Muito pelo contrário, representa, sobretudo, sua fuga.

Entretanto, poderíamos sugerir que sexo é “coisa de adolescente”, porque “coisa de adulto” é “ver os boleto tudo pago no fim do mês”(sic). Ou, ao enunciar, “adulto gosta mesmo”, estaria admitindo que adulto também gosta de sexo, mas a expressão “mesmo” dá uma conotação de intensidade, onde “gosta mesmo” significa “gostar mais que” ou “mais do que”.

Se por um lado, privilegiarmos a expressão “coisa” como elemento central nesse recorte, então poderíamos afirmar que ele está falando de “coisas de adolescente” em oposição a “coisas de adulto”. Assim, poderíamos inferir que sexo, por ser coisa de adolescente, os adultos não se interessariam, já que “gostam mesmo é ver os boleto pago no fim do mês” (sic), o que sabemos não ser verdade, via de regra pelo menos (risos).

Por outro lado, se considerarmos a expressão “adulto gosta mesmo” como central, então teríamos que admitir que trata-se do que adolescentes e adultos gostam, ou seja, a importância dada as coisas, por um e outro. Então, teríamos que admitir também que não é que adultos não gostem de sexo, é que gostam mais de “ver os boleto pago no fim do mês” (sic). E por ai vai, visto que não se esgotam, nestes exemplos, as possibilidades.

Assim, tenho a ligeira impressão de que o que simboliza a fronteira entre ser adolescente e adulto é a responsabilidade, ou mais precisamente, o grau de responsabilidade. É ela quem delimita um estado e outro. E sua total ausência implica em anomia (não-norma ou ausência de regra), sua onipresença em heteronomia (norma diferente ou norma do outro). Mas onde está o ponto de equilíbrio? Seria talvez a autonomia (regra ou norma própria)?

Remeto novamente ao debate político evocado no início do texto. Vozes e discursos estereotipados, formatados, prontos, acabados e inexoráveis, que reverberam e se reproduzem de forma histérica, descontrolada e irracional. Se isso que é debate, então a forma esvaziou o conteúdo de tal modo que a “palavra” não mais se refere a “coisa”. É uma espécie de tensão do movimento constante entre anomia e heteronomia sem que haja repouso algum na autonomia:é a ação destituída de reflexão e análise.

Se não pararmos para avaliar aquilo que, de fato, nos move, buscando a nossa própria voz em vez de reproduzir indiscriminadamente o que vemos e ouvimos, sem o menor crivo da análise e da reflexão, então não consigo vislumbrar futuro para uma sociedade que, divida pelo ódio e pela intolerância, nos revela dois possíveis caminhos: o do caos (anomia) ou da ditadura (heteronomia). A solução ainda é a busca pelo equilíbrio (autonomia). Viveremos eternamente na “adolescência” ou iremos amadurecer e nos tornar “adultos”? Porque uma coisa eu sei: no final, alguém vai ter que pagar essa conta!

Educação e Instrução: uma pequena digressão

Após uma breve consulta a três dicionários da língua portuguesa, percebi que a definição da palavra educação, em comum, sugere a ideia de conhecimento associado à prática. O que reforça a ideia da distinção entre instrução e educação, algo que para muitos parece não haver. Afinal, será a mesma coisa ou não? Vejamos.

Instruir é um ato que envolve pelo menos três elementos: o instrutor, o instruído e a instrução. A instrução é transferida do indivíduo que instrui para o sujeito a quem se destina. Dito de outra forma, seria proporcionar a apropriação de uma instrução/informação do indivíduo que instrui para o indivíduo alvo da instrução.

Por exemplo, se digo para alguém que matar é errado ou roubar não é certo, então estou apenas instruindo alguém de que, de acordo com determinadas regras de uma dada sociedade, esta ou aquela conduta são reprováveis. Isso quer dizer que, ao decodificar, o individuo com a informação apenas, nada mais é do que indivíduo instruído, ou seja, possui uma instrução (conhecimento).

Entretanto, se de posse da tal instrução/informação, esta exercer diretamente alguma influência sobre a conduta do indivíduo, transformando-a, moldando-a, de modo a determiná-la, então estamos falando em educação (prática). Sendo assim, podemos ter pessoas instruídas, mas sem educação. Mas, o contrário, não. Evidentemente, o sentido da palavra “instrução” empregado aqui não é o habitualmente utilizado como sendo “instrução formal”.

Não obstante, saber que não se deve descartar lixo no chão em vez de colocá-lo num local apropriado não te faz uma pessoa educada. Mas, descartá-lo numa lixeira, sim. Neste caso, a informação determinou a conduta de tal modo que resultou numa ação, dentre as possíveis, a mais aceitável e esperada. Evidentemente que estamos falando de regras de sociabilidade de um determinado grupo que valoriza a limpeza de locais de uso coletivo, como exemplo hipotético.

Por fim, suponhamos haver um sujeito que tenha a informação que matar é errado. E que, mesmo consciente disto, desconsidera totalmente, de tal modo que a informação não interfira em sua escolha diante da circunstancia de matar alguém. Quer dizer que a informação, por si, apenas qualifica a escolha, mas não pode determiná-la.

Sendo assim, tanto no sentido positivo, quanto negativo, se a informação interfere na prática temos educação, senão apenas instrução. Dito isto, passemos a analisar um caso concreto que possibilitou toda essa digressão.

Certo pai de um sujeito que se encontrava preso procurou uma das varas criminais onde seu filho responde processo e pediu para ver a denúncia. Tratava-se de uma acusação de roubo qualificado pelo emprego de arma de fogo e concurso de pessoas. Desconsiderando os aspectos técnico-jurídicos em questão, tais quais, a presunção da inocência, o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, suponhamos que este réu seja de fato autor do crime. Pergunto: diante da escolha do ato de praticar um crime, responsável seria apenas o filho que decidiu e assaltou? Ou teria o pai alguma espécie de corresponsabilidade por ter apenas instruído e não ter educado seu filho?

Considerando que, no caso concreto, subtrair bem móvel mediante grave ameaça é um crime na nossa sociedade. E, supondo que tal pai tenha orientado seu filho acerca do que é permitido e proibido, digamos ser esta a responsabilidade dos pais em relação aos filhos. Por fim, que todo individuo, no pleno uso de suas faculdades mentais, é responsável pelas escolhas que faz. Passarei a elencar algumas questões, fique a vontade para comentar e dizer o que pensa.

  1. É evidente que está pressuposto a premissa de que a suposta instrução deste pai a seu filho, em relação ao crime, não interferiu de forma efetiva a tal ponto de que moldasse sua conduta diante da circunstância de cometer o crime ou não?
  2. Cada indivíduo é responsável por suas escolhas, então, ao escolher cometer o crime, o filho se tornou responsável por ele?
  3. Se a obrigação dos pais é educar acerca da conduta de seus filhos frente à sociedade em que vivem; E, se a instrução do pai não resultou numa conduta esperada pela sociedade, ou seja, de não cometer o crime, podemos dizer que a instrução não surtiu efeito de educação, sendo assim, o pai falhou na educação de seu filho?
  4. De alguma forma, posso afirmar que o pai é corresponsável pelas ações de seu filho ou não?
  5. A função dos pais seria apenas instruir ou educar?