Quem não constrói escola, constrói presídio*

Por Heber Queiros

Não são poucos os casos em que se noticia que verbas e verbas destinadas a educação foram desviadas por prefeitura A, governo B, etc. Por outro lado, soa com um “quê” de “deja vu” do “lugar comum” apresentar a Educação como uma panaceia. Afinal, todos sabem que grande parte dos problemas sociais do nosso país decorre disso. Parece que alguns realmente resolveram “pagar para ver” se de fato isto era mesmo verdade.

Acredito que a barbárie que a sociedade maranhense vive/sofre hoje não seja de fato um caso isolado e confesso que também não pretendo investigar a profundidade disso. Porém,  não dá para negar que os constantes ataques aos “trailers” policiais e incêndios aos ônibus estejam fazendo parte do nosso cotidiano. Parece que as proporções foram ampliadas e ganharam notoriedade não apenas nacional, mas internacional.

Sobre tudo isso, tenho duas coisas a dizer. Em primeiro lugar, o que particularmente me chamou muita atenção: O interesse das chamadas “comissões de Direitos Humanos”. Pergunto-me se Direitos Humanos não seriam apenas para seres humanos? Ou então, o que determina a condição humana de fato? Qual o limite da ação de um indivíduo para que pudesse ser considerado humano? Afinal, o que é mesmo Ser humano?

Guardamos algumas semelhanças com outros seres vivos. Uma delas, de maneira geral, é conseguir mover-se, ter movimento próprio, referência a anima, animal. Nisto, somos iguais tanto a um dócil filhotinho de gato quanto ao mais selvagem e feroz dos lobos (retomarei este raciocínio mais adiante).

De repente, me aparecem Comissões de Direito Humanos para defender os direitos dos “seres humanos decaptadores” e dos “seres humanos incendiários”. É que para ter direito não interessa se paga ou não impostos, se respeita ou não as leis da sociedade civil (em tese civilizada), se respeita ou não a vida, ainda que seja de outro “ser humano”. Basta que seja apenas… humano.

Entretanto, quando um “ser humano” resolve separar a cabeça do pescoço de outro “ser humano” (perdoem-me tal construção, mas ainda é um eufemismo), pergunto o que há de humanidade nisso? Quando um “ser humano” resolve ir a um posto de combustíveis comprar gasolina para incendiar outros “seres humanos” o que de fato é humano? Por acaso existem duas categorias de humanidade? Aqueles que são e os que são “mais ou menos” humanos? O problema é que isto é inadmissível. E, se a situação chegou mesmo a este ponto é porque há muito se perdeu a oportunidade de intervir.

Não sou radical ao ponto de defender pena de morte aos criminosos porque penso que o sistema judiciário é precário suficientemente a ponto de desqualificá-lo para dizer quem deve ou não morrer. Já aconteceu que muitos homônimos padecerem injustamente por mais de uma década na prisão, já assisti o “princípio da insignificância” não ser considerado para ladrão de galinha, mas para “mensaleiro” e os de “colarinho branco”, as “benesses da lei”.

Posso assegurar que não foi o sistema quem deu a vida e, portanto, assim, não pode tirá-la, seja a de quem for, aliás, ninguém deveria. Mas, o direito à vida não tem sido muito respeitado ultimamente. O que fazer? Deixar a coisa frouxa pra ver até onde vai? Será que ainda é possível ficar pior? Exterminar geral à “La Carandiru” ou elegermos o Sr. João Alberto novamente para o governo do Estado?

Em segundo lugar, há algo de violento intrinsecamente ligado à natureza humana. E essa violência, a mim me parece que faz parte de uma característica ligada à própria sobrevivência. Mas, isto seria determinante apenas em um ambiente selvagem onde a lei do mais forte prevalece, onde sobreviver seria apenas uma questão de ser caça ou caçador.

Não obstante, o que nos colocou no topo da cadeia alimentar não me parece ter sido a força da violência, pois existem animais bem mais fortes. Creio que foi exatamente aquilo que nos faz distintos deles: a razão. A capacidade de analisar, refletir, operar com o intelecto para fazermos escolhas. E onde é que aprendemos a desenvolvê-la e ampliar sua capacidade?

A negligência e abandono do sistema educacional por parte dos governos municipal e estadual é notória. Escolas com estruturas físicas precárias, isto quando pelo menos há. Quantas não funcionam na base do improviso, onde o mesmo espaço é compartilhado entre crianças de séries diferentes sem ter sequer uma parede dividindo o ambiente? Quantas vezes não se viam servir merenda estragada quando ocasionalmente se servia? E quantas vezes se voltavam os alunos da escola, mais cedo, pela escassez de professores?

E quando se tem professor, ainda é preocupante o nível de preparo e qualificação destes. Quando digo isto, não me refiro ao fato de serem portadores de diploma. Existem muito mais faculdades espalhadas do que farmácias, quitandas de bairros e bares por ai. Fora isso, muitos analfabetos funcionais com diploma de nível superior que se graduaram sem sequer pisarem em uma faculdade, assim como tem muitos ainda dentro dela.

É óbvio que há exceções de gigantes guerreiros e guerreiras valentes que nunca desistiram diante das condições desafiadoras que se apresentam e se impõem ao cumprimento do dever. E quantas baixas não foram contabilizadas ao longo da caminhada de profissionais que desistiram desta honrosa e, ao mesmo tempo, vergonhosa carreira?

A coisa foi ficando precária a tal ponto de se perder totalmente o controle. Crianças abandonadas pela educação que em vez de ser inclusiva torna-se cada vez mais excludente. E a forma de resolver o problema? Criam-se cotas nas faculdades, programas assistencialistas como bolsa escola pra manter o menino estudando e por ai vai (Sem tirar o mérito da ideia de justiça social, mas essa panacéia é quase um placebo).

Pensar numa reestruturação do sistema educacional com reformas e construção de novas escolas para evitar que pais de alunos tenham que dormir em filas para garantir uma vaga para seus filhos ou evitar que estudem longe de suas casas? Nada. Efetivar uma política de qualificação e valorização salarial de seus profissionais que não apenas assegurassem a permanência dos bons, mas que também atraíssem novos e competentes professores? Nada. Reformular a estrutura curricular dando mais importância ao desenvolvimento intelectual dos estudantes, favorecendo a capacidade de raciocínio e análise de suas escolhas, em vez de privilegiar conteúdos atitudinais programando os pequenos “robôs” para se tornarem ótimos “cidadãos obedientes”? Nada.

São todas essas coisas que nos apresentam ardilosamente como utópicas, mas que não seriam impossíveis de se concretizar caso fossem aplicados os recursos que são destinados à Educação. Já que se instituiu a cultura da corrupção e que isso sim, talvez, seja impossível erradicar senão pela educação, que se crie então a consciência de que verba educacional é intocável, sagrada! Porque senão em vez de se construir escolas, vai faltar dinheiro até para se construir presídios.


* Texto escrito no contexto da Crise Carcerária no Estado do Maranhão em janeiro de 2014. Muito embora a tal crise tenha sido contornada, a questão fundamental ainda continua esquecida não apenas no Estado como também no país.