“Sexo é coisa de adolescente, adulto gosta mesmo é de ver os boleto tudo pago no fim do mês” (sic)

Este recorte foi retirado de um post em uma rede social. Para além do debate político maniqueísta, indiscutivelmente instaurado hoje no Brasil, desconfio poder se tratar de uma reflexão, ainda que aparentemente superficial, muito nos tem a dizer. Vejamos uma análise possível.

Dentro deste turbilhão político, resultante dos desdobramentos da disputa de poder, visivelmente entre dois grupos antagônicos (evidentemente que apenas no campo da disputa), e que invade, de uma forma ou de outra, os lares brasileiros, polarizando-os de maneira categórica e estigmatizada, entre os do “bem” e os do “mal”, pergunto: o que levaria uma pessoa, imersa nesse contexto,  a um pensamento tão destoante?

Simples. Lembrar que a realidade não é constituída, apenas, de discussões políticas apaixonadas e acaloradas, quase sempre sem o mínimo de reflexão sobre o que mesmo, de fato, está em disputa. É que a vida é também constituída de “contas a pagar” e isto nos tira do plano das ideias e nos traz novamente para o material. Mas, o que quer dizer o interlocutor do recorte? Para quem ele acredita falar? Há uma intenção em responder algo supostamente direcionado a alguém em particular ou não?

Partindo do pressuposto que uma postagem tem esse caráter opinativo e que não há como medir o alcance da mensagem comunicada, postar poderia significar “falar para o mundo”. Consideremos, então, esta perspectiva possível do interlocutor, portanto, falando para qualquer um.

Imagino que o “sexo”, entre outras conotações, nos remete a ideia de prazer. Um prazer que, na adolescência, não está vinculado necessariamente à responsabilidade. Aliás, não parece ser característico desta fase o interesse por ela. Muito pelo contrário, representa, sobretudo, sua fuga.

Entretanto, poderíamos sugerir que sexo é “coisa de adolescente”, porque “coisa de adulto” é “ver os boleto tudo pago no fim do mês”(sic). Ou, ao enunciar, “adulto gosta mesmo”, estaria admitindo que adulto também gosta de sexo, mas a expressão “mesmo” dá uma conotação de intensidade, onde “gosta mesmo” significa “gostar mais que” ou “mais do que”.

Se por um lado, privilegiarmos a expressão “coisa” como elemento central nesse recorte, então poderíamos afirmar que ele está falando de “coisas de adolescente” em oposição a “coisas de adulto”. Assim, poderíamos inferir que sexo, por ser coisa de adolescente, os adultos não se interessariam, já que “gostam mesmo é ver os boleto pago no fim do mês” (sic), o que sabemos não ser verdade, via de regra pelo menos (risos).

Por outro lado, se considerarmos a expressão “adulto gosta mesmo” como central, então teríamos que admitir que trata-se do que adolescentes e adultos gostam, ou seja, a importância dada as coisas, por um e outro. Então, teríamos que admitir também que não é que adultos não gostem de sexo, é que gostam mais de “ver os boleto pago no fim do mês” (sic). E por ai vai, visto que não se esgotam, nestes exemplos, as possibilidades.

Assim, tenho a ligeira impressão de que o que simboliza a fronteira entre ser adolescente e adulto é a responsabilidade, ou mais precisamente, o grau de responsabilidade. É ela quem delimita um estado e outro. E sua total ausência implica em anomia (não-norma ou ausência de regra), sua onipresença em heteronomia (norma diferente ou norma do outro). Mas onde está o ponto de equilíbrio? Seria talvez a autonomia (regra ou norma própria)?

Remeto novamente ao debate político evocado no início do texto. Vozes e discursos estereotipados, formatados, prontos, acabados e inexoráveis, que reverberam e se reproduzem de forma histérica, descontrolada e irracional. Se isso que é debate, então a forma esvaziou o conteúdo de tal modo que a “palavra” não mais se refere a “coisa”. É uma espécie de tensão do movimento constante entre anomia e heteronomia sem que haja repouso algum na autonomia:é a ação destituída de reflexão e análise.

Se não pararmos para avaliar aquilo que, de fato, nos move, buscando a nossa própria voz em vez de reproduzir indiscriminadamente o que vemos e ouvimos, sem o menor crivo da análise e da reflexão, então não consigo vislumbrar futuro para uma sociedade que, divida pelo ódio e pela intolerância, nos revela dois possíveis caminhos: o do caos (anomia) ou da ditadura (heteronomia). A solução ainda é a busca pelo equilíbrio (autonomia). Viveremos eternamente na “adolescência” ou iremos amadurecer e nos tornar “adultos”? Porque uma coisa eu sei: no final, alguém vai ter que pagar essa conta!

Autor: Heber Queiros

Estudou História na Universidade Estadual do Maranhão - UEMA e trabalhou como professor de História durante 8 anos no ensino fundamental e médio em escolas particulares de São Luis/MA. Da decepção com o magistério ingressou no Serviço Público no Tribunal de Justiça do Maranhão e, atualmente estudante de Licenciatura em Música na Universidade Estadual do Maranhão.

2 comentários em ““Sexo é coisa de adolescente, adulto gosta mesmo é de ver os boleto tudo pago no fim do mês” (sic)”

  1. Muito bom, Héber! Boa reflexão. Gostaria de sugerir que você aponte em sua linha de pensamento um ponto de chegada. O final da leitura sugere uma continuidade ou um questionamento muito aberto que gera “suspense”. Mas uma coisa posso dizer: Você foi muito inteligente na forma de se expressar. Valeu!

    1. Obrigado pela contribuição. Mas, existe sim uma linha de pensamento que resulta no meu posicionamento, caso não tenha ficado suficientemente claro. E trata-se de persuadir o leitor à evocar sua própria voz em vez de reproduzir discursos estereotipados. É uma conclamação á busca pelo equilíbrio (autonomia) que somente pode vir por uma prática analítica e reflexiva constante do lugar em que se está. Quanto à temática estar “aberta” é intencional. Quero suscitar o debate, não esgotá-lo. Compreende?! Obrigado pela crítica. Abraços

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